D.
Estevão Bettencourt (PR, Nº 480 – 2002 – p. 200) mostra treze pontos
que distinguem os fiéis católicos dos cristãos ortodoxos orientais.
Vamos apresentá-los aqui.
Os orientais têm por ideal a volta da
Igreja ao que ela era até o sétimo Concílio Geral (Niceia II em 787),
pois só aceitam os Concílios de Niceia I (325), Constantinopla I (381),
Éfeso (431), Calcedônia (451), Constantinopla II (553), Constantinopla
III (681), Nicéia II (787). O Concílio de Constantinopla IV, que
excomungou o Patriarca Fócio em 869/870, é rejeitado pelos orientais.
São esses os pontos de divergência:
1. Primado do Papa.
Alega a teologia ortodoxa que a jurisdição universal e suprema do Papa
implica que os outros bispos são subordinados a ele como seus
representantes.
A esta concepção responde o Concílio do
Vaticano II: “Aos Bispos é confiado plenamente o ofício pastoral ou o
cuidado habitual e cotidiano das almas. E, porque gozam de um poder que
lhes é próprio e com toda razão são antístites dos povos que eles
governam, não devem ser considerados vigários (representantes) do Romano
Pontífice” (Constituição Lumen Gentium 27).
O primado do Bispo de Roma ou do Papa
garante a unidade e a coesão da Igreja, preservando-a de iniciativas
meramente pessoais e subjetivas.
2. Infalibilidade. Em
1870, fazendo eco a antiga crença dos cristãos, o Concílio do Vaticano I
declarou o Papa infalível quando fala em termos definitivos para a
Igreja inteira em matéria de fé de Moral. A teologia ortodoxa oriental
alega que esta definição extingue a autoridade dos Concílios.
Respondemos que os Concílios gerais ou
universais têm plena razão de ser, desde que o Papa deles participe (por
si ou por seus delegados) e aprove as suas conclusões. Em nossos dias
mais e mais se tem insistido sobre a colegialidade dos Bispos.
3. A processão do
Espírito Santo a partir do Filho (Filioque). Esta concepção da Igreja
Católica decorre do fato de que “em Deus não há distinções a não ser
onde haja oposição relativa”. Se, portanto, entre o Filho e o Espírito
Santo não há a distinção de Espirante e espirado, um não se distingue do
outro ou o Filho e o Espírito Santo são uma só Pessoa em Deus. Verdade é
que Jesus em Jo 15, 26 diz que o Espírito procede do Pai; o Senhor,
porém, não tenciona propor aí uma teologia sistemática, mas põe em
relevo um aspecto da verdade sujeito a ser completado pela reflexão.
Na verdade, a questão em foco é mais de
linguagem do que de doutrina, pois os orientais preferem dizer que o
Espírito Santo procede do Pai através do Filho – o que pode ser
conciliado com a posição dos ocidentais.
4. Purgatório. Os
orientais não tiveram dificuldade para aceitá-lo até o século XIII. Em
1231 ou 1232, o metropolita Georges Bardanes, de Corfu, pôs-se a
impugnar o presumido fogo do purgatório, pois na verdade não há fogo no
purgatório. Os teólogos orientais subseqüentes apoiaram a contestação
(muito justificada) de G. Bardanes. Mas nem por isto negaram um estado
intermediário entre a vida terrestre e a bem-aventurança celeste para as
almas daqueles que morrem com resquícios de pecado; estes seriam
perdoados por Deus em vista da oração da Igreja; estariam assim
fundamentados os sufrágios pelos defuntos.
A absoluta recusa do purgatório só
ocorreu entre os orientais no século XVII sob a influência de autores
protestantes. Daí por diante a teologia oriental está dividida; há
muitos teólogos ortodoxos que admitem um estado intermediário entre a
morte e a bem-aventurança celeste como também reconhecem o valor dos
sufrágios pelos defuntos.
5. A Imaculada
Conceição de Maria. Esta é, por vezes, confundida com um pretenso
nascimento virginal de Maria Ssma. (Santa Ana teria concebido sua filha
sem a colaboração de São Joaquim). Já que tal concepção virginal carece
de sólido fundamento, também a Imaculada Conceição é posta em dúvida
pelos orientais. Ocorre, porém, que a literatura e a Liturgia dos
ortodoxos enaltecem grandemente a total pureza de Maria, professando a
mesma coisa que os ocidentais, ao menos de modo implícito, sem chegar a
formular um dogma de fé a respeito.
6. A Assunção de Maria
Ssma. Foi proclamada como dogma de fé em 1950 pelo Papa Pio XII, de
acordo com a tradição teológica ocidental e oriental. Merece especial
atenção a iconografia oriental, que representa de maneira muito
expressiva a Virgem sendo assumida aos céus por seu Divino Filho. Na
verdade, o que fere os orientais, não é a proclamação da Assunção; mas a
promulgação do dogma (como no caso da Imaculada Conceição).
7. Batismo por infusão ou aspersão da água. Dizem os teólogos
ocidentais que o importante no Batismo é o contato da água com o corpo
da pessoa,
simbolizando purificação. Se o sacramento é um sinal que realiza o que
significa, a água batismal significa e realiza a purificação da alma.
8. Epiclese. Os
orientais julgam essencial na Liturgia Eucarística a Invocação do
Espírito Santo (epiclese) antes das palavras da consagração; ora estas
faltam no Cânon Romano (Oração Eucarística nº 1), pois os latinos julgam
que a consagração do pão e do vinho se faz pela repetição das palavras
de Cristo: “Isto é o meu corpo… Isto é o meu sangue…”. Acontece, porém,
que as Orações Eucarísticas compostas depois do Concílio (1962-65) têm a
epiclese não para corrigir uma pretensa falha anterior, mas para
guardar uma antiga tradição.
9. Pão ázimo. Jesus, em
sua última ceia, observou o ritual da Páscoa judaica, que prescrevia (e
prescreve) o uso do pão ázimo ou não fermentado. A Igreja Católica
guardou o costume na celebração da Eucaristia. Está bem respaldada. O
uso do pão fermentado não é excluído, pois, em última análise, se trata
sempre de pão.
10. A Comunhão
Eucarística sob as espécies do pão apenas. Até o século XII a Comunhão
era ministrada sob as duas espécies; o uso foi abolido por causa de
inconvenientes que gerava (profanação, sacrilégios…). Todavia após o
Concílio já é permitido dar a Comunhão sob as duas espécies a grupos
devidamente preparados.
11. Unção dos Enfermos.
Baseados em Tg 5, 14s, os orientais ortodoxos têm a Unção dos Enfermos
como sacramento. Divergem, porém, dos ocidentais em dois pontos:
- a Unção não é reservada aos gravemente
enfermos nem tem a marca de preparação para a morte, mas, ao contrário,
vem a ser um rito de cura para qualquer enfermo;
- a Unção, no Oriente, tem forte caráter
penitencial, a tal ponto que ela é conferida também aos pecadores,
mesmo sadios, a título de satisfação pelos pecados.
12. Divórcio. Baseados
em Mt 5, 32 (= Mt 19, 9) e contrariamente ao que se lê em Mc 10, 11s; Lc
16, 18; 1Cor 7, 10s, os ortodoxos reconhecem o divórcio. A Igreja
Católica não interpreta São Mateus em sentido contrário ao de Marcos,
Lucas e Paulo; portanto não reconhece o divórcio de um matrimônio
sacramental validamente contraído e consumado, mas julga que em Mt 5 e
19 se trata da dissolução de um casamento tido pela Lei de Moisés como
ilícito.
13. Celibato do Clero.
Seria “uma restrição imposta nos séculos posteriores, contrária à
decisão do primeiro Sínodo Ecumênico (325)”. Que há de verídico nisso?
O celibato do clero tem seu fundamento
em 1Cor 7, 25-35, onde São Paulo recomenda a vida una ou indivisa. Esta
foi sendo praticada espontaneamente pelo clero até que, em 306
aproximadamente, o Concílio regional de Elvira (Espanha) a sancionou
para os eclesiásticos de grau superior. A legislação de Elvira foi-se
propagando no Ocidente por obra de outros concílios regionais.
Ao contrário, os orientais estipularam
que, após a ordenação, os clérigos de grau superior (ou do diaconato
para cima não poderiam contrair matrimônio, mas eram autorizados a
manter o uso do matrimônio os que tivesse casado antes da ordenação. O
Concílio de Niceia I (325) rejeitou a proposta segundo a qual o celibato
no Oriente seria observado sem exceções, como no Ocidente; isto, por
protesto do Bispo egípcio Pafnúncio, o qual guardava pessoalmente o
celibato. Os Bispos orientais são todos celibatários e, por isto,
recrutados entre os monges.
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