Lutero foi certamente um homem profundamente religioso, dotado de firme confiança em Deus, diligente no trabalho e desinteressado de si. A estes dons, porém, associava-se um temperamento apaixonado, que podia chegar as raias do doentio; uma convicção cega de que tinha recebido de Deus a missão de um profeta; uma propensão à discussão, ao exagero trágico e ao cinismo. Deixava-se guiar pelas emoções mais do que pela razão, principalmente em matéria teológica – o que decorre do princípio luterano de que a fé é alheia à razão. Ele mesmo dizia que “nenhuma obra boa se faz por sabedoria, mas que tudo se realiza como que por uma espécie de vertigem ou torpor”.
Infelizmente as boas intenções de Lutero não levaram ao objetivo almejado, pois dividiram os cristãos e geraram um princípio de divisão até hoje fecundo; o protestantismo se esfacela em novas e novas comunidades, segundo o princípio subjetivo estabelecido por Lutero: cada crente é livre para interpretar a Bíblia como lhe pareça, sem dar atenção a instâncias extrínsecas. Um dos traços que muito exaltam Lutero aos olhos dos protestantes alemães, é a sua posição na história nacional alemã. Tem-se dito que Lutero era alemão até a medula dos ossos; o seu ódio antipapal correspondia ao ódio anti-romano e ao nacionalismo alemão da época: era alemão também pelo uso magistral da língua pátria, da qual a tradução luterana da Bíblia é um monumento.
As ideias e o movimento de Lutero tiveram seus ecos fora da Alemanha. Vários reformadores surgiram, partindo todos do mesmo princípio: a única fonte de fé é a Bíblia, lida independentemente do magistério da Igreja. Entre esses chefes destacam-se: Ulrico Zwingli (1484-1531), que pregou em Zürich (Suíça) e cujos seguidores sem demora se agregaram ao Calvinismo. Outro reformador notável foi João Calvino, que vai apresentado a seguir.
O Calvinismo
Em 1532 apareceu em Genebra (Suíça Francesa) o pregador francês Guilherme Farel, que pregava ideias semelhantes às de Lutero e deixou a população local em grande agitação. Preparava assim o caminho para outro francês: João Calvino (1509-64).
Calvino estudou Direito na França antes de se domiciliar em Genebra. Era sistemático, organizador, mais consciente do alcance de sua obra do que Lutero. Possuia enorme capacidade de trabalho e sabia ser coerente até o extremo, não se deixando abater por dificuldade alguma; isto o tornou insensível e duro em relação aos seus semelhantes.
Em 1527/8, Calvino, educado na religião católica, passou pela conversão às novas ideias; tendo-as professado, caiu sob a perseguição antiprotestante movida pelo Governo francês. Emigrou então para Basileia (Suíça), onde escreveu sua obra principal: Religionis Christianae Institutio, que se opunha fortemente à doutrina católica relativa aos dogmas, aos sacramentos e ao culto. De Basileia, querendo voltar à França para breve visita, passou por Genebra, onde foi detido por Farel, que Ihe pediu servisse à igreja local convulsionada. Tendo acedido, Calvino instaurou em Genebra severa disciplina, cerceando a liberdade de consciência e de conduta dos cidadãos.
A oposição em 1538 conseguiu expulsar de Genebra Calvino e Farel; mas, após três anos de ausência, voltou aquele, gloriosamente chamado por representantes da cidade. Passou então a desenvolver atividade cada vez mais intensa como teólogo e organizador.
A teologia de Calvino, embora se assemelhe à de Lutero, tem seu ponto característico no conceito de Deus. Colocou a ênfase sobre a Majestade e a Soberania divinas, a ponto de dizer que há duas predestinações: uma para a salvação e outra, explícita, para a condenação eterna; Deus não apenas permite a perda dos pecadores, mas impele-os para o abismo. Deus, segundo consta, proibe o pecado a todos, mas na verdade quer que alguns pequem, porque devem ser condenados. Calvino, embora propusesse doutrina tão espantadora, sabia atrair discípulos, pois afirmava: todo aquele que crê realmente na justificação por Cristo, é do número dos predestinados e pode viver tranquilamente porque a salvação lhe está garantida.
Ao organizar a lgreja, Calvino instituia duas comissões: a Venerável Companhia de pastores e doutores, encarregada do magistério, e o Consistório composto de pregadores e doze senadores leigos, que tinha a tarefa de zelar pela disciplina, à semelhança da Inquisição Medieval: essa Comissão visitava as casas, servia-se de denúncias e espionagem paga; os réus gravemente culpados, se persistissem no erro, eram entregues a um tribunal. Este proferiu, de 1541 a 1546, 58 sentenças de morte; a tortura era aplicada com frequência.
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