Santo Agostinho dizia que os corpos dos Santos são instrumentos dos quais se serve o Espírito Santo para realizar suas obras. Por isto os seus restos mortais são honrados desde o início da Igreja. Por exemplo, as Atas do Martírio de S. Policarpo (+156) de Esmirna, como já vimos, dizem que após a morte do mártir, entregue ao fogo, os fiéis foram recolher as suas cinzas.
A veneração é confirmada pela convicção de que os corpos dos Santos foram templos do Espírito Santo e instrumentos por Este utilizados para produzir boas obras. A certeza de que os homens e as mulheres ressuscitarão no fim dos tempos, incutiu nos cristãos, desde os primeiros séculos, o grande apreço aos despojos mortais dos Santos, pela dignidade de terem sidos templos do Espírito Santo durante a vida presente:
“Não sabeis que vossos corpos são membros de Cristo? Tomarei, então, os membros de Cristo e os farei membros de uma prostituta? De modo algum!… Ou não sabeis que o vosso corpo é templo do Espírito Santo, que habita em vós, o qual recebestes de Deus e que, por isso mesmo, já não vos pertenceis?” (1Cor 6,15-20).
Isto não significa que “Deus recolherá as cinzas espalhadas de cada cadáver para realizar a ressurreição, mas a matéria primeira (no sentido aristotélico-tomista) unida à alma do indivíduo assumirá as feições do respectivo corpo, tornando-se a carne gloriosa correspondente a tal alma”. (D. Estevão Bettencourt, P.R. Nº 336 – Ano: 1990 – pág. 226)
O culto das relíquias está ligado ao culto de veneração (não adoração) dos santos; e é algo espontâneo e faz parte dos sentimentos humanos. Toda família respeita e guarda com carinho as lembranças e os pertences de seus queridos falecidos. Seria injusto e até maldoso impedir que a viúva guardasse com carinho as fotos, o Terço, um lenço, etc., do seu amado esposo falecido.
Se houve no passado, e ainda pode haver enganos e abusos em relação às relíquias, isto não anula a sua legitimidade. Não se podem negar abusos ocorridos de boa ou de má fé: falsas relíquias foram às vezes tomadas por autênticas, como também os exploradores da credulidade popular podem ter falsificado relíquias. No entanto, as autoridades da Igreja têm-se mostrado vigilantes a propósito, evitando todo excesso e proibindo a venda de relíquias como aconteceu no passado.
Uma relíquia é um fragmento de osso ou um objeto que tenha alguma relação com um(a) Santo(a), aos quais os católicos prestam veneração ou reverência.
Tal atitude é tão natural que se encontra também fora do Catolicismo. Assim os muçulmanos guardam na mesquita de El Jazzar em Akko (Israel) alguns pelos da barba de Maomé, que todos os anos são apresentados aos devotos durante o mês do Ramadã. Em 1988 as autoridades soviéticas (comunistas), para comemorar o aniversário do Batismo da Rússia, devolveram ao Patriarca de Moscou as relíquias conservadas no Kremlin.
O costume das relíquias dos santos vem desde o início do cristianismo. Primeiramente os mártires foram cultuados; o povo de Deus recolhia seus corpos e os sepultava com reverência. As sepulturas dos mártires eram visitadas por peregrinos; muitos queriam ser sepultados junto a um mártir pois julgavam que este mais intercederia por eles no Céu.
Infelizmente no passado, especialmente na Idade Média, houve abusos com a veneração das relíquias, atribuindo-lhes um poder mágico, etc; havendo também negócios com elas e muitas falsas relíquias. Os cruzados, ao voltar do Oriente traziam consigo “maravilhosas relíquias”, nem sempre verdadeiras; assim, por exemplo, segundo os Evangelho apócrifos, a Virgem Maria teria deixado ao Apóstolo Tomé, como testemunho da sua Assunção aos céus, o seu véu; isto não é verdade.
Os abusos provocaram a rejeição das relíquias por parte do protestantismo, mas o Concilio de Trento analisou a questão e aprovou o seu uso correto:
“Ensinem os Bispos diligentemente que devem ser venerados pelos fiéis os sagrados corpos dos santos mártires e dos outros que vivem com Cristo, [corpos] que foram membros vivos de Cristo e templos do Espírito Santo (cf. 1Cor 3, 16; 6, 15.17.19; 2Cor 6,16) e que por Ele hão de ser ressuscitados para a vida eterna e glorificados e pelos quais concede Deus aos homens muitos benefícios. Por isso, aqueles que afirmam que às relíquias dos santos não se deve prestar veneração e honra, ou que elas e outros sagrados restos mortais são inutilmente venerados pelos fiéis, ou que em vão se cultua a memória deles para lhes pedir ajuda: [aqueles que tais coisas afirmam] devem ser de todo condenados, como já antigamente os condenou e agora também os condena a Igreja” (Collantes, FC nº 7255).
As Relíquias e a Sagrada Escritura
A Sagrada Escritura oferece fundamento à prática cristã da veneração das relíquias.
No Antigo Testamento, vemos grande respeito notável no sepultamento dos homens de Deus, como Abraão (cf. Gn 25,9s), Jacó (cf. Gn 50, 12s), José (cf. Gn 50, 24-26; Ex. 14, 19), Davi (cf. 1Rs 2,10)… Ora, isto mostra um respeito profundo pelos restos mortais das pessoas. Era considerado grande caridade sepultar os mortos. Tobit os sepultava até correndo risco de morte:
“Quando o rei Senaquerib, fugindo da Judéia ao castigo com que Deus o ferira por suas blasfêmias, mandou assassinar, na sua ira, um grande número de israelitas, Tobit sepultou os seus cadáveres. (Tb 1, 21)
“Quando o sol se pôs, ele foi e o sepultou. Seus vizinhos criticavam-no unanimemente. Já uma vez ordenaram que te matassem, precisamente por isso, e mal escapaste dessa sentença de morte, recomeças a enterrar os cadáveres! Mas Tobit temia mais a Deus que ao rei, e continuava a levar para a sua casa os corpos daqueles que eram assassinados, onde os escondia e os sepultava durante a noite. (Tb 2,3-9)
A Bíblia mostra também como Deus, mediante o manto de Elias, se dignou realizar um milagre: Eliseu, ferindo as águas do Jordão com essa relíquia do grande profeta, conseguiu separá-las em duas bandas:
“Apanhou o manto que Elias deixara cair, e voltando até o Jordão, parou à beira do rio. Tomou o manto que Elias deixara cair, feriu com ele as águas, dizendo: Onde está o Senhor, o Deus de Elias? Onde está ele? Tendo ferido as águas, estas separaram-se para um e outro lado, e Eliseu passou.” (2Rs 2,14)
Lemos também que os ossos de Eliseu, postos em contato com um cadáver, tornaram-se instrumentos para a ressurreição do mesmo:
“Eliseu morreu e foi sepultado. Guerrilheiros moabitas faziam cada ano incursões na terra. Ora, aconteceu que um grupo de pessoas, estando a enterrar um homem, viu uma turma desses guerrilheiros e jogou o cadáver no túmulo de Eliseu. O morto, ao tocar os ossos de Eliseu, voltou à vida, e pôs-se de pé.” ( 2Rs 13,21).
Os judeus não usavam as relíquias porque as leis rituais do Antigo Testamento consideravam o cadáver um objeto legalmente impuro, cujo contato tornava a pessoa impura e impedida do culto sagrado. A importância do corpo e a crença na glorificação final dos corpos só foi amadurecendo aos poucos em Israel e só foi firmada com toda a clareza depois que Jesus Cristo se mostrou aos homens como novo Adão ressuscitado. Isto mostra que o corpo do cadáver, como a Igreja ensina, não tem nada de impuro.
No Novo Testamento há também muitas passagens que dão base sólida à veneração das relíquias.
Nos Atos dos Apóstolos São Lucas narra milagres e exorcismos ocorridos com relíquias de São Paulo ainda em vida:
“Deus realizava milagres extraordinários por intermédio de Paulo, de modo que lenços e outros panos que haviam tocado o seu corpo, eram aplicados aos doentes; então afastavam-se destes as moléstias e eram expulsos os espíritos malignos”. (At 19,11s)
Os fiéis estimavam e guardavam tais objetos com profunda veneração. Mas depois do episódio acima, São Lucas faz questão de dissipar a impressão de que os milagres efetuados por intermédio de Paulo tenham tido algo de comum com as artes mágicas de judeus ou pagãos:
“Muitos dos que haviam acreditado (em Cristo), iam confessar e declarar as suas obras. Muitos também, que tinham exercido artes mágicas, ajuntaram os seus livros e queimaram-nos em presença de todos. Calculou-se o seu valor, e achou-se que montava a cinquenta mil moedas de prata.” (At 19, 18-20).
O Evangelho de São Mateus conta o caso daquela mulher hemorroísa que foi curada tocando o manto de Cristo:
“Eis que uma mulher que, havia doze anos, sofria de um fluxo de sangue, se aproximou dele por trás e Lhe tocou a orla do manto. Dizia consigo: “Se eu tocar ainda que seja apenas as suas vestes, serei curada”. Jesus voltou-se então e, vendo-a, lhe disse: “Tem confiança, minha filha, a tua fé te salvou”. (Mt 9,20ss)
Chama de modo particular a nossa atenção Jesus ter permitido que a mulher tocasse seu manto; ela acreditava que o Senhor poderia curá-la pelo toque do seu manto.
O apologista Quadrato, afirma que no séc. II, em Nazaré, onde Jesus foi criado, a população ainda conservava relhas de arado confeccionadas por Jesus. Nas comunidades visitadas ou catequizadas por São Pedro, São Paulo, São João ou fiéis guardavam tudo que lhes pudesse lembrá-los (suas cartas e os seus despojos mortais, os objetos de uso).
Os cristãos eram estimulados a este costume ao lerem o elogio do Senhor a Maria de Betânia, quando ela ungiu o Seu corpo pouco antes de sua morte:
“Ela me fez uma obra; …embalsamou antecipadamente o meu corpo para a sepultura. Em verdade vos digo: onde quer que for pregado no mundo este Evangelho, será narrado o que ela acaba de fazer para se conservar a lembrança dessa mulher” (Mc 14,6-9; Mt 26, 9-12; Jo 12,7).
Com este elogio Jesus aprovava solenemente a veneração do seu corpo sagrado após a morte. Então, os cristãos viam ai um convite a que se tratasse de modo semelhante os corpos de todos os justos inseridos no mesmo Corpo de Cristo pelo Batismo.
As Relíquias na Tradição da Igreja
A Tradição da Igreja, desde os primeiros séculos, conservou e venerou as relíquias como símbolos dos santos mártires e confessores chamados à Casa do Pai.
Esta reverência que vem dos primeiros séculos, e recomenda que os cadáveres sejam sepultados e não cremados. Nos séculos XVIII a XX a Igreja se opôs formalmente à cremação, porque a Maçonaria a praticava para afirmar que o cadáver humano é lixo e deveria ser tratado como lixo. Mas, a partir de 1964 a Igreja passou a aceitar a incineração, por razões de urbanismo, higiene, economia, mas desde que isto não seja para desprezar o corpo humano ou a fé na ressurreição. Cada um pode decidir o destino a ser dado a seu corpo após a morte. O Catecismo da Igreja diz:
“A autópsia de cadáveres pode ser moralmente admitida por motivos de investigação legal ou de pesquisa científica. A doação gratuita de órgãos após a morte é legítima e pode ser meritória. A Igreja permite a incineração se esta não manifestar uma posição contrária à fé na ressurreição dos corpos (CDC, cân. 1176,3)” (§2301).
Em 1587 o Papa Sixto V confiou o controle do culto das relíquias à “Congregação dos Ritos”, que em 1969 passou a ser a “Congregação para as Causas dos Santos”.
Depois que um servo de Deus é beatificado, é lícito expor suas relíquias à veneração dos fiéis.
Algumas relíquias que se referem a Cristo são conhecidas e veneradas desde o século IV; outras foram trazidas para o Ocidente pelos Cruzados no século XII (muitas sem documentação sólida). Podemos considerar algumas com um certo fundamento.
A Cruz de Cristo
Segundo São Cirilo de Jerusalém, em 348 havia ali um grande fragmento da Santa Cruz, como atesta ele em suas Catequeses Batismais (4, 10; 10, 19; 13, 4):
”Até a presente data pode ser visto entre nós… mas, em virtude dos extratos que a fé multiplicou, foi distribuído em pequenos fragmentos por toda a terra”.
Pode-se acreditar que Santa Helena, mãe do Imperador Constantino, no século IV, após pesquisas na Terra Santa, encontrou a Cruz de Cristo e depositou um pedaço relativamente grande da Cruz em seu palácio “Sessorianum”, que veio a ser posteriormente a basílica da Santa Cruz em Roma. É desse fragmento grande que provavelmente tenham saído os pedacinhos da Cruz existentes na basílica do Latrão e no Vaticano.
Em Paris o rei Qcldeberto mandou construir a basílica da Santa Cruz para guardar um fragmento da mesma, local hoje dito “Saint Germain-des-Prés”. Pouco depois Santa Radegunda recebia em Poitiers (França) a relíquia da Cruz que o Imperador bizantino Justino II lhe enviava (569).
Entre as outras relíquias da Paixão de Jesus, algumas são atestadas desde os séculos V e VI, como o título da Cruz de Cristo, a coluna da flagelação, a coroa de espinhos e os cravos, que várias comunidades reivindicaram para si.
A Escada Santa ou escada do palácio de Pilatos em Jerusalém, acha-se perto da basílica de São João do Latrão, em Roma, mas não tem comprovação certa. Na basílica do Latrão encontra-se também a presumida mesa da última Ceia do Senhor.
O Santo Sudário de Turim, que revestiu o corpo de Cristo é certamente a relíquia mais importante da Paixão do Senhor, e tem sido estudado pelos cientistas. Cada vez mais vai ficando provada a sua autenticidade, embora a Igreja ainda não tenha dado uma palavra final sobre o assunto. Ele é tido como autêntico por pesquisadores de renome. Sobre o Santo Sudário há muitos livros e artigos em várias revistas.
O Presépio de Jesus em Belém era conhecido pelos cristãos do século III, como testemunha Orígenes (+250) (Contra Celsum 1.31). A partir do século VII só existem fragmentos, dos quais os mais notáveis são os da basílica de Santa Maria Maior em Roma.
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