Em
síntese: Desta concepção se derivam os direitos do trabalhador, que
exerce a sua atividade, qualquer que seja, para se engrandecer com
pessoa humana: em particular, a encíclica considera os direitos das
mulheres que trabalham, dos emigrantes, dos camponeses, dos deficientes
(…). Realça a necessidade de um fundo de subsistência destinado aos
trabalhadores desempregados; reconhece o direito de associação em
sindicatos, o direito à greve justa (sem fins políticos e sem prejuízo
para os serviços essenciais da sociedade), o direito ao salário família,
à aposentadoria (…). Conclui-se apresentando a espiritualidade do
trabalho: este vem a ser continuação da obra do Criador, assim como
participação da Páscoa (cruz, morte e ressurreição) de Cristo.
O documento reveste-se de grande valor e
oportunidade, fornecendo subsídios para a reflexão da humanidade
conturbada pelo fim de um ciclo de civilização (a civilização do carvão e
do petróleo) e posta no limiar do seu terceiro milênio.
Comentário: Comemorando o nonagésimo
aniversário da primeira encíclica social, publicada por Leão XIII aos 15
de maio de 1891 com as palavras iniciais Rerum Novarum, apareceu à
terceira encíclica do Papa João Paulo II com a data de 15/09/81 e as
iniciais Laborem Exercens (trabalhando…) tal documento, pronto para sair
aos 15/05/81, foi postergado em virtude do atentado sofrido por S.
Santidade aos 13/05/81.
A encíclica Laborem Exercens versa, por
inteiro, sobre o trabalho humano, considerando as mais diversas facetas
da questão no mundo contemporâneo. O trabalho é tido como “uma das
características que distinguem o homem das demais criaturas, cuja
atividade, relacionada com a conservação da própria vida, não se pode
chamar trabalho” (proêmio). Este também vem a ser “a chave da questão
social” (nº 3). Nos tempos de Leão XIII a questão do trabalho coincida
com a do relacionamento entre patrões e operários. Hoje em dia o mesmo
problema, reconsiderado, suscita conotações muito diferentes; com
efeito, a humanidade se acha no fim de um ciclo de civilização, que foi
caracterizado pelo consumo do carvão e do petróleo, e está para iniciar
novo ciclo, no qual a eletrônica, a automação e seus diversos produtos
darão nova cadência às atividades do homem e revolverão profundamente os
tipos e as condições do trabalho humano (cf. nº 1).
Ciente disto, o Papa João Paulo II quis
focalizar, do ponto de vista ético, o presente e o futuro do homem
mediante a consideração direta do trabalho humano.
O documento em pauta é amplo
e rico em dados, compreendendo cinco partes: 1) Introdução (continuidade de Laborem Exercens com a doutrina das encíclicas anteriores); 2) o trabalho e o homem (trabalho e dignidade da pessoa); 3) o conflito entre trabalho e capital na fase atual da história (a panorâmica do problema, pistas de solução ética); 4) direitos dos homens que trabalham (antigas e novas situações; 5) elementos para uma espiritualidade do trabalho (o trabalho e o binômio criação-redenção).
e rico em dados, compreendendo cinco partes: 1) Introdução (continuidade de Laborem Exercens com a doutrina das encíclicas anteriores); 2) o trabalho e o homem (trabalho e dignidade da pessoa); 3) o conflito entre trabalho e capital na fase atual da história (a panorâmica do problema, pistas de solução ética); 4) direitos dos homens que trabalham (antigas e novas situações; 5) elementos para uma espiritualidade do trabalho (o trabalho e o binômio criação-redenção).
Nas páginas subsequentes poremos em relevo os grandes traços da nova encíclica.
1. Trabalho objetivo e
trabalho subjetivo (n.os 5 e 6)
trabalho subjetivo (n.os 5 e 6)
Uma das grandes novidades da encíclica
(ao menos, no plano das formulações explícitas) é a distinção entre
trabalho no sentido objetivo e trabalho subjetivo. O primeiro seria o
trabalho-mercadoria, o trabalho como valor impessoal ou como coisa. O
trabalho no sentido subjetivo é entendido como obra de uma pessoa, que
através da sua luta cotidiana se vai realizando e vai cumprindo o grande
desígnio do Criador.
Este aspecto confere a todo e qualquer tipo de trabalho uma dimensão valiosa; não se pode exaltar apenas o trabalho intelectual ou liberal com detrimento do trabalho manual ou braçal. O Filho de Deus feito homem houve por bem trabalhar como carpinteiro. Torna-se assim “patente que o fundamento para determinar o valor do trabalho humano não é, em primeiro lugar, o gênero de trabalho que se realiza, mas o fato de aquele que o executa ser uma pessoa. As fontes da dignidade do trabalho devem ser procuradas sobretudo não na sua dimensão objetiva, mas, sim, na sua dimensão subjetiva” (n 6).
Este aspecto confere a todo e qualquer tipo de trabalho uma dimensão valiosa; não se pode exaltar apenas o trabalho intelectual ou liberal com detrimento do trabalho manual ou braçal. O Filho de Deus feito homem houve por bem trabalhar como carpinteiro. Torna-se assim “patente que o fundamento para determinar o valor do trabalho humano não é, em primeiro lugar, o gênero de trabalho que se realiza, mas o fato de aquele que o executa ser uma pessoa. As fontes da dignidade do trabalho devem ser procuradas sobretudo não na sua dimensão objetiva, mas, sim, na sua dimensão subjetiva” (n 6).
Isto não quer dizer que o trabalho
humano não deva ser qualificado do ponto de vista objetivo (há trabalhos
de maior e outros de menor responsabilidade). Mas retenha-se que o
primeiro fundamento do valor do trabalho é o próprio homem.
Disto se segue uma conclusão de natureza
ética: o trabalho é para o homem, e não o homem para o trabalho. Isto
quer dizer que todos se devem empenhar para que o homem seja
engrandecido através do seu regime de trabalho, ficando excluída toda e
qualquer forma de
produção que reduza o homem a mero instrumento da produtividade.
produção que reduza o homem a mero instrumento da produtividade.
Destas verdades se seguem
outras:
outras:
2. Trabalho e capital: o problema
(nº 7)
(nº 7)
Trabalho e capital têm estado em
conflito desde os inícios da questão social. O capital mais de uma vez
sufocou o mundo do trabalho, reduzindo os operários a condições
extorsivas e contrárias à dignidade humana. Contra tal processo
insurgiu-se o marxismo, apregoando a coletivização dos meios de
produção, a fim de que pela transferência destes meios das mãos dos
particulares para a coletividade, representada pelo Estado, o trabalho
humano fosse preservado da exploração. A solução marxista, porém, é
ilusória, pois o grupo de detentores dos meios de produção que
constituem o Estado, pode exercer um monopólio administrativo tal que
desrespeite os direitos fundamentais dos demais cidadãos. “Deste modo,
pois, o simples fato de os meios de produção passarem para a propriedade do Estado, no sistema coletivista, não significa, só por si, a socialização (ou a posse comunitária e justa) desta propriedade” (nº 14).
pois, o simples fato de os meios de produção passarem para a propriedade do Estado, no sistema coletivista, não significa, só por si, a socialização (ou a posse comunitária e justa) desta propriedade” (nº 14).
Diante do problema, a Igreja apregoa: 1)
a prioridade do trabalho sobre o capital; 2) o direito de todos à
propriedade particular, desde que se recordem de que todos os bens
naturais têm destinação universal ou devem servir ao bem de toda a
comunidade.
3. Prioridade do trabalho
(n.os 12 e 13)
(n.os 12 e 13)
A Igreja sempre ensinou a prioridade do
trabalho sobre o capital. O trabalho é a expressão da grandeza e da
dignidade da pessoa humana, é também a continuação da obra do Criador.
Além disto, verifica-se que o trabalho,
utilizando os elementos entregues ao homem pelo Criador, produz os seus
instrumentos, cada dia mais aperfeiçoados, incluindo os recursos da
técnica. Estes instrumentos, cujo conjunto constitui o que se chama
“capital”, são subordinados ao trabalho, porque efetuados pelo trabalho.
O capital nasceu do trabalho e é portador das marcas do trabalho
humano. É preciso, pois, pôr em relevo o primado do homem no processo de
produção ou o primado do homem em relação às coisas. O capital não é
senão um conjunto de coisas, ao passo que o homem, como sujeito do
trabalho, independentemente do trabalho que realiza, é pessoa.
Esta visão lúcida teológica e, ao mesmo
tempo, humanista é deturpada quando se considera o trabalho unicamente
segundo a sua finalidade econômica. Ocorre então o que se chama
“economismo” ou “materialismo”; tal erro afirma o primado dos valores
materiais, colocando em posição subordinada à matéria os valores
espirituais e pessoais (o agir do homem, os valores morais e
semelhantes). O economismo tem sua origem na filosofia e na prática
econômico-social do século XVIII, época em que começou a
industrialização; esta visava, antes do mais, a multiplicar as riquezas
materiais, isto é, os meios, perdendo de vista o fim, ou seja, o homem, a
quem tais meios devem servir. Este erro ameaça ainda hoje a sociedade e
não poderá ser suplantado se não se instaurar entre os homens
contemporâneos a firme convicção do primado da pessoa sobre as coisas e
do trabalho do homem sobre o capital (entendido como conjunto dos meios
de produção). Cf. n.os 12 e 13.
4. Propriedade particular
(n.os 14 e 15)
(n.os 14 e 15)
A Igreja defende o direito à propriedade
particular, mesmo quando se trata dos meios de produção. Todavia a
Igreja observa que a propriedade particular tem uma finalidade social ou
deve servir ao bem comum da sociedade. Com outras palavras: os bens de
propriedade particular não devem ser possuídos como fim ou para possuir,
nem devem ser possuídos contra o trabalho, pois o único título que
legitima a sua posse é que eles sirvam ao trabalho, e, servindo ao
trabalho, tornem possível a participação de todos os homens nos bens que
o Criador deixou para todos. Neste contexto, não se vê por que condenar
a socialização de certos meios de produção, desde que haja condições
oportunas e razões sua sivãs para tanto.
À luz destes princípios, percebe-se que
inaceitável é o capitalismo “rígido”, que defende o direito à
propriedade privada dos meios de produção sem apontar para a necessidade
de que
o uso de tais bens sirva aos interesses comuns. Contudo a rejeição do capitalismo liberal não implica recusa da propriedade particular. De modo análogo, a socialização de certos meios de produção, como dito, não quer dizer automaticamente que a sociedade venha a possuir em comum os meios de produção, pois não raro estes ficam em poder de um pequeno grupo de homens que representam o Estado; estes não são os proprietários, mas procedem como se
fossem os detentores da propriedade; o capitalismo dos particulares torna-se assim o capitalismo do Estado e dos governantes.
o uso de tais bens sirva aos interesses comuns. Contudo a rejeição do capitalismo liberal não implica recusa da propriedade particular. De modo análogo, a socialização de certos meios de produção, como dito, não quer dizer automaticamente que a sociedade venha a possuir em comum os meios de produção, pois não raro estes ficam em poder de um pequeno grupo de homens que representam o Estado; estes não são os proprietários, mas procedem como se
fossem os detentores da propriedade; o capitalismo dos particulares torna-se assim o capitalismo do Estado e dos governantes.
5. Empregadores e desemprego
(nº 8.16-18)
(nº 8.16-18)
1. A encíclica Laborem Exercens formula, em termosnovos, a distinção entre empregador direto e empregador indireto.
“O empregador direto é aquela pessoa ou aquela instituição com as quais o trabalhador estipula diretamente o contrato de trabalho segundo condições determinadas” (nº 16).
“O empregador direto é aquela pessoa ou aquela instituição com as quais o trabalhador estipula diretamente o contrato de trabalho segundo condições determinadas” (nº 16).
“No conceito de empregador indireto
entram as pessoas, as instituições de diversos tipos, bem como os
contratos coletivos de trabalho e os princípios de comportamento que,
estabelecidos por essas pessoas ou instituições, determinam todo o
sistema sócio-econômico ou dele resultam” (nº 17).
Compreende-se que o empregador indireto
determine substancialmente um ou outro aspecto do contrato de trabalho
ou mesmo o comportamento do empregador direto. Principalmente o Estado,
como grande legislador e responsável pelo ritmo geral das empresas e dos
contratos num país, é o empregador indireto por excelência. Ao Estado,
pois, compete vigiar especialmente para que se observem as normas da
justiça nas relações entre empregador direto e trabalhador. Muitas vezes
o próprio Estado nacional está inserido numa rede de dependência em
relação a outros Estados ou a países altamente industrializados. Faz-se,
pois, mister que se evite a exploração dos países pobres por parte dos
países ricos, exploração que repercute nas próprias condições de
trabalho dos cidadãos dos países pobres.
“Os países altamente industrializados e,
mais ainda, as empresas que em vasta escala superintendem os meios de
produção industrial (as chamadas “sociedades multinacionais”), ditando
os preços mais altos possíveis para os seus produtos, procuram ao mesmo
tempo fixar os custos mais baixos possíveis para as matérias-primas ou
para os produtos semi-elaborados. Ora isto, juntamente com outras
causas, dá como resultado criar uma desproporção sempre crescente entre
as rendas nacionais dos respectivos países (…). Evidentemente isto não
deixar de ter os seus efeitos na política local do trabalho e na
situação dos trabalhadores nas sociedades economicamente desfavorecidos.
O dador direito de trabalho que se
encontra num sistema semelhante de condicionamentos, fixa as condições
de trabalho abaixo das objetivas exigências dos trabalhadores,
especialmente se ele próprio quer tirar os lucros mais elevados
possíveis da empresa que dirige (ou das empresas que dirige, quando se
trata de uma situação de propriedade “socializada” dos meios de
produção)” (nº 17).
2. Nesta altura da reflexão, impõe-se a
consideração do problema de desemprego. Este pode tornar-se autêntica
calamidade social, atingindo muitas vezes os jovens que, depois de se
terem preparado por meio de formação profissional adequada, vêem
frustrada a sua vontade sincera de trabalhar no desenvolvimento da
comunidade. A verificação deste fato leva a preconizar o estabelecimento
de fundos em favor dos desempregados, a fim de que estes possam
subsistir com as suas famílias; na verdade, também os desempregados têm o
direito à vida.
Merece especial atenção “um fato
desconcertante de imensas proporções: enquanto, por um lado, importantes
recursos da natureza permanecem inutilizados, há, por outro lado,
massas imensas de desempregados e subempregados e multidões indigentes
de famintos”. Este fato demonstra que, tanto no interior das comunidades
políticas como nas relações entre estas a nível continental e mundial,
ocorrem falhas que devem ser reparadas (nº 18).
Ainda um fenômeno significativo chama a
atenção: o desemprego se dá também entre os intelectuais; o número,
sempre crescente, de pessoas que obtêm um diploma de estudos superiores,
acarreta a falta de emprego para muitas. O desemprego dos intelectuais
ocorre quando a instrução não está orientada para os tipos de serviço de
que carece a sociedade, ou quando um trabalho que exige instrução
profissional é menos bem pago do que o trabalho braçal. É necessário
cuide a sociedade de que não se desvalorize a instrução em grau
superior, enriquecimento importante da pessoa humana (cf. nº 8).
6. O trabalho da mulher (nº 19)
Voltando-se para a família, João Paulo II apregoa o chamado “salário-família”, salário único, atribuído ao chefe de família, e que seja suficiente para as necessidades da família, sem que a esposa seja obrigada a assumir um trabalho remunerado fora do lar”.
Voltando-se para a família, João Paulo II apregoa o chamado “salário-família”, salário único, atribuído ao chefe de família, e que seja suficiente para as necessidades da família, sem que a esposa seja obrigada a assumir um trabalho remunerado fora do lar”.
De modo geral, é necessário aplicar-se à
revalorização das funções maternas, dos trabalhos que a estas andam
ligados e à necessidade de amor e carinho que têm os filhos.
“Reverterá em honra para a sociedade o
tornar possível à mãe – sem pôr obstáculos à sua liberdade, sem
discriminação psicológica ou prática e sem que ela fique numa situação
de desdouro em relação às outras mulheres – cuidar dos seus filhos e
dedicar-se à educação deles, segundo as diferentes necessidades da sua
idade. O abandono forçoso de tais tarefas, por ter de arranjar um
trabalho retribuído fora de casa, é algo de não correto, sob o ponto de
vista do bem da sociedade e da família, se isto estiver em contradição
ou tornar difíceis tais objetivos primários da missão materna” (nº 19).
Valorizando as funções da maternidade, a
encíclica está longe de se mostrar avessa ao trabalho da mulher fora do
lar. Ao contrário, aceita-o e pede não haja discriminação em detrimento
da mulher, desde que esta se ache habilitada para ocupar determinado
emprego.
Apenas o Papa deseja que a mulher “não se veja obrigada a pagar a própria promoção com a descaracterização da sua feminilidade e com detrimento da família, na qual a mulher, como mãe, tem papel insubstituível” (nº 19). É para desejar, portanto, não seja menos valorizada do que as outras a mulher que opta prioritariamente pelos deveres da maternidade e, por isto, não procura trabalho fora de casa; seja, pois, o trabalho na sociedade estruturado de tal modo que a mãe de família obrigada a educar os filhos não se veja constrangida a sair de casa para ganhar o pão cotidiano ou para completar o orçamento de casa.
Apenas o Papa deseja que a mulher “não se veja obrigada a pagar a própria promoção com a descaracterização da sua feminilidade e com detrimento da família, na qual a mulher, como mãe, tem papel insubstituível” (nº 19). É para desejar, portanto, não seja menos valorizada do que as outras a mulher que opta prioritariamente pelos deveres da maternidade e, por isto, não procura trabalho fora de casa; seja, pois, o trabalho na sociedade estruturado de tal modo que a mãe de família obrigada a educar os filhos não se veja constrangida a sair de casa para ganhar o pão cotidiano ou para completar o orçamento de casa.
7. O trabalho agrícola (nº 21)
O mundo agrícola e o trabalho nos campos, proporcionando à sociedade os bens necessários ao sustento cotidiano, revestem-se de importância fundamental. As condições dos trabalhadores agrícolas são diferentes nos diversos países do globo, não só por causa dos diversos graus de desenvolvimento da técnica agrícola, mas também, e talvez mais ainda, por causa do insuficiente reconhecimento dos justos direitos dos trabalhadores agrícolas.
O mundo agrícola e o trabalho nos campos, proporcionando à sociedade os bens necessários ao sustento cotidiano, revestem-se de importância fundamental. As condições dos trabalhadores agrícolas são diferentes nos diversos países do globo, não só por causa dos diversos graus de desenvolvimento da técnica agrícola, mas também, e talvez mais ainda, por causa do insuficiente reconhecimento dos justos direitos dos trabalhadores agrícolas.
O trabalho dos campos, além de ser
fisicamente extenuante, é pouco apreciado socialmente, a ponto de se
sentirem os camponeses marginalizados pela sociedade; daí o êxodo dos
mesmos, em massa, para as cidades, onde as condições de vida são por
vezes ainda mais desumanas. Mais: “em certos países em via de
desenvolvimento, há milhões de homens que se vêem obrigados a cultivar
as terras de outros e que são explorados pelos latifundiários, sem
esperança de… poderem chegar à posse nem sequer de um mínimo pedaço de
terra (…). Não existem formas de proteção legar para a pessoa do
trabalhador agrícola e para a sua família nos casos de velhice, doença
ou falta de trabalho. Longas jornadas de duro trabalho físico são pagas
miseramente. Terras cultiváveis são deixadas ao abandono pelos
proprietários; títulos legais para a posse de um pequeno pedaço de
terra, cultivado por conta própria de há anos, são preteridos ou ficam
sem defesa diante da fome da terra de indivíduos ou de grupos mais
potentes” (nº 21). Também se deve mencionar o direito de cogestão e o de
livre associação dos trabalhadores agrícolas como elementos cuja não
observância corrobora as injustas condições em que vivem os camponeses.
Diante de tais falhas, os homens de bem
tomam consciência da necessidade de promover especialmente a dignidade
do trabalho agrícola, pelo qual o homem de maneira expressiva submete a
terra recebida de Deus como dom e afirma o seu domínio sobre o mundo
visível. (Cf. nº 21).
8. O trabalho dos emigrantes (nº 23)
Levem-se em consideração outrossim as
pessoas que deixam a pátria de origem para procurar trabalho em outro
país. Este fenômeno assume proporções cada vez mais vultosas.
Embora toque a todo homem o direito de
emigrar, tal realidade não deixa de acarretar situações que a ética
cristã deve levar em conta: com efeito, é preciso que o emigrante não
seja constrangido, em terra estrangeira, a aceitar condições de trabalho
injustas, principalmente quanto confrontadas com as dos trabalhadores
nativos do país que o hospeda; não seja explorado financeira ou
socialmente; não sofra discriminação por motivos de nacionalidade,
religião ou raça. Seria mesmo desejável que todo homem pudesse encontrar
em sua pátria as condições de trabalho suficientes e justas que lhe
permitissem contribuir para o aumento do bem comum no seu próprio país.
9. Os deficientes e o trabalho (nº 22)
Outro problema que se impõe a quem estuda o trabalho, é a situação dos deficientes.
“Também os deficientes são sujeitos plenamente humanos, dotados dos correspondentes direitos inatos, sagrados e invioláveis, que, apesar das limitações e dos sofrimentos inscritos no seu corpo e nas suas faculdades, põem mais em relevo a dignidade e a grandeza do homem. E, uma vez que a pessoa que tem quaisquer deficiências, é um sujeito dotado de todos os seus direitos, deve facilitar-lhe a participação na vida de sociedade em todas as dimensões e a todos os níveis que sejam acessíveis para as suas possibilidades. A pessoa deficiente é um de nós e participa plenamente da mesma humanidade que nós. Seria algo radicalmente indigno da sociedade e, portanto, ao trabalho somente os membros na plena posse das funções do seu ser, porque, procedendo desse modo, se recairia numa forma grave de discriminação: a dos fortes e são contra os fracos e doentes. O trabalho no sentido objetivo deve ser subordinado, também neste caso, à dignidade do homem, ao sujeito do trabalho e não às vantagens econômicas” (nº 22).
“Também os deficientes são sujeitos plenamente humanos, dotados dos correspondentes direitos inatos, sagrados e invioláveis, que, apesar das limitações e dos sofrimentos inscritos no seu corpo e nas suas faculdades, põem mais em relevo a dignidade e a grandeza do homem. E, uma vez que a pessoa que tem quaisquer deficiências, é um sujeito dotado de todos os seus direitos, deve facilitar-lhe a participação na vida de sociedade em todas as dimensões e a todos os níveis que sejam acessíveis para as suas possibilidades. A pessoa deficiente é um de nós e participa plenamente da mesma humanidade que nós. Seria algo radicalmente indigno da sociedade e, portanto, ao trabalho somente os membros na plena posse das funções do seu ser, porque, procedendo desse modo, se recairia numa forma grave de discriminação: a dos fortes e são contra os fracos e doentes. O trabalho no sentido objetivo deve ser subordinado, também neste caso, à dignidade do homem, ao sujeito do trabalho e não às vantagens econômicas” (nº 22).
10. Sindicatos e greves (nº 20)
1. Entre os direitos dos trabalhadores
está o de se associarem em sindicatos, com a finalidade de defender os
justos interesses da sua vida profissional.
A experiência ensina que as organizações
deste tipo são elemento indispensável da vida social não só no setor
dos operários da indústria, pois existem também os sindicatos dos
agricultores e os dos trabalhadores intelectuais, como existem os
sindicatos dos empregados.
Os sindicatos não são expoentes da luta
de classes ou de luta contra os outros, mas, sim, protagonistas na luta
pela justiça social e pelos direitos dos trabalhadores em suas diversas
profissões. “O trabalho tem como característica, antes de mais nada,
unir os homens entre si e nisto consiste a sua força social: a forma
para construir uma comunidade” (nº 20).
É de notar que os justos esforços para
garantir os direitos dos trabalhadores da mesma profissão devem sempre
levar em conta as limitações impostas pela situação econômica geral do
país. As exigências sindicais não podem transforma-se numa espécie de
egoísmo de grupo ou de classe. A vida sócio-econômica é como um sistema
de vasos comunicantes, de modo que cada uma das atividades sociais que
tenham como finalidade salvaguardar os direitos dos grupos particulares,
devem adaptar-se a tal sistema.
Neste sentido a atividade dos sindicatos
entra indubitavelmente no campo da política, entendida como prudente
solicitude pelo bem comum. Todavia o papel dos sindicatos não é o de
fazer política no sentido da política partidária. Os sindicatos não se
devem assemelhar a partidos em luta pelo poder, nem devem estar
subordinados aos partidos políticos.
2. A tutela dos justos direitos do
trabalhador pode recorrer à tática da greve. Esta é legítima, como
recurso extremo e dentro dos devidos limites. Não se pode abusar da
greve para fins políticos, nem se deve permitir que a greve leve à
paralisação de serviços essenciais da sociedade (transporte,
alimentação, saúde, escola…); o bem comum exige a salvaguarda da ordem
sócio-econômica. Os trabalhadores, portanto, devem ter o direito à
greve, sem que sofram sanções pessoais por participarem da mesma.
Uma vez propostas as questões de ordem
ética relacionadas com o trabalho, o S. Padre passa, na Quinta parte da
encíclica, a descrever os principais traços da espiritualidade do
trabalho.
11. Espiritualidade do trabalho (n.os 24-27)
Se a Igreja julga seu dever
pronunciar-se sobre o trabalho numa perspectiva ética. Ela também se
sente obrigada a promover a espiritualidade do trabalho, apta a ajudar
todos os homens a se aproximar de Deus através da sua labuta cotidiana.
Dois são os principais elementos de uma espiritualidade do trabalho:
11.1 Participação na obra do Criador (nº 25)
No primeiro capítulo do Gênesis, o homem
encontra o primeiro “evangelho do trabalho”. Com efeito, o texto
bíblico aponta o trabalho como continuação da obra do Criador; para
incutir a santidade do trabalho realizado em seis dias seguidos de um
dia de repouso, o autor sagrado apresenta o próprio Deus a observar a
semana do homem. Esta passagem bíblica (Gn 1, 1-2,4a) não tenciona
descrever a fenomenologia do surto das criaturas, mas tem precisamente
em mira chamar a atenção para o significado profundo do trabalho que o
homem, imagem e semelhança de Deus, realiza numa semana.
A consciência desta verdade é formulada
mais de uma vez nos documentos do Concílio do Vaticano II, dos quais vai
aqui citado o seguinte trecho:
“Longe de pensar que as obras do engenho
e do poder humano se opõem ao poder de Deus e de considerar a criatura
racional como rival do Criador, os cristãos, ao contrário, estão bem
persuadidos de que as vitórias do gênero humano são um sinal da grandeza
de Deus e são fruto do seu desígnio inefável. Mas, quando mais aumenta o
poder dos homens, tanto mais se alarga o campo das suas
responsabilidades, pessoais e comunitárias… A mensagem cristã não afasta
os homens da tarefa de construir o mundo, nem os leva a
desinteressar-se do bem dos seus semelhantes, mas, pelo contrário,
obriga-os a aplicar-se a tudo isto por um dever mais exigente ainda”
(Constituição Gaudium et Spes 34; enc. Laborem Exercens nº 25).
11.2. Participação na Páscoa de Cristo (nº 26)
1. Esta verdade, segundo a qual o homem
mediante o trabalho participa na obra do Criador, foi particularmente
posta em relevo por Jesus Cristo, “Ele próprio homem do trabalho, do
trabalho artesanal como Jesus de Nazaré” (nº 26). Jesus encara com amor o
trabalho e em suas parábolas refere-se a diversos tipos da atividade
humana: o pastor, o agricultor, o médico, o semeador, o amo, o servo, o
feitor, o pescador, o comerciante, o operário… Fala também das
atividades exercidas pelas mulheres, como alude também ao trabalho dos
estudiosos.
O ensinamento de Cristo sobre o trabalho
encontrou eco imediato na pregação do Apóstolo São Paulo: este se
dedicava à confecção de tendas (cf. At 18, 3) e formulou o princípio
categórico: “Se alguém não quer trabalhar, abstenha-se também de comer”
(2Ts 3, 10).
Os dizeres do Novo Testamento relativos
ao trabalho fundamentaram decisivamente a espiritualidade cristão do
trabalho; este, na sua expressão material e concreta, é ulteriormente
destinado a promover a grandeza interior ou espiritual do ser humano,
pois ainda mais vale ser do que ter, como lembra o Concílio do Vaticano
II:
“O homem vale mais por aquilo que é do
que por aquilo que tem. Do mesmo modo, tudo o que o homem faz para
conseguir mais justiça, uma fraternidade mais difundida e uma ordem mais
humana nas relações sociais, excede em valor os progressos técnicos.
Com efeito, tais progressos podem proporcionar a base material para a
promoção humana mas, por si sós, de modo nenhum são capazes de a
realizar” (Const. Gaudium et Spes nº 35; Laborem Exercens nº 26).
2. O trabalho, seja manual, seja
intelectual, acarreta inevitavelmente a fadiga. Ora esta há de ser
considerada pelo cristão à luz do mistério pascal de Cristo. O Senhor
realizou a salvação da humanidade mediante o sofrimento e a morte, aos
quais se seguiu a ressurreição. Pois bem; suportando o que há de penoso
no trabalho em união com Cristo crucificado, o homem colabora, de algum
modo, com o Filho de Deus na redenção da humanidade. E, visto que a cruz
é inseparável da glória da ressurreição, o cristão vislumbra nas
próprias fadigas do trabalho um princípio de vida nova ou de
transfiguração ou a presença dos valores da eternidade. Também o
Concílio do Vaticano II pôs em relevo este significado ambíguo
(cruz-ressurreição) do trabalho humano, redigindo a seguinte ponderação:
“É certo que nos é lembrado que nada
aproveita ao homem ganhar o mundo inteiro, se se perde mesmo. A
expectativa da nova terra, porém, não deve enfraquecer, mas antes
estimular a solicitude por cultivar esta terra, onde cresce aquele corpo
da nova família humana, que já consegue apresentar uma certa
prefiguração em que se vislumbra o mundo novo. Por conseguinte, embora
se deva distinguir cuidadosamente o progresso terreno do crescimento do
reino de Cristo, todavia, na medida em que tal progresso pode contribuir
para a melhor organização da sociedade humana, tem muita importância
para o reino de Deus” (Const. Gaudium et Spes nº 39; enc. Laborem
Exercens nº 27).
Consciente destas verdades, o cristão
procurará realizar o seu trabalho de cada dia tendo em mira não só o
progresso terreno, mas também a sua própria santificação (mediante
configuração a Cristo) e o desenvolvimento do Reino de Deus, que deve
transparecer através das realidades terrestres modeladas pelas mãos do
discípulo de Cristo.
Eis, em poucas páginas, o conteúdo da
notável encíclica Laborem Exercens, que em hora muito oportuna é
apresentada ao mundo – cristãos e homens de boa vontade em geral como
contribuição para a solução dos graves problemas que deixam a humanidade
perplexa no limiar do terceiro milênio.
Revista: “PERGUNTE E RESPONDEREMOS”
D. Estevão Bettencourt, osb
Nº 261 – Ano 1982 – p. 71
D. Estevão Bettencourt, osb
Nº 261 – Ano 1982 – p. 71
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