quinta-feira, 4 de setembro de 2014
São Gregório Magno: “Servo dos servos de Deus”
Num tempo conturbado da Igreja foi eleito um dos papas mais importantes da história da Igreja, São Gregório I, Magno (590-604). Foi o segundo Papa a receber o título de Magno. Foi o primeiro monge (beneditino) a ser papa. Intitulou-se “Servus servorum Dei” – “Servo dos servos de Deus”. Ele levou avante a educação dos bárbaros, como que completando o trabalho de S. Leão Magno, alargando as fronteiras do Cristianismo.
Nasceu da família Aníscia, uma das mais importantes de Roma em 540. Muito jovem foi prefeito de Roma. Dois anos depois exonerou-se do cargo e transformou sua residência em um mosteiro beneditino. Destinou sua grande propriedade, que se estendia até a Sicília à fundação de mosteiros. Gregório soube administrar este “Patrimônio de São Pedro” cuja renda destinou aos moradores de Roma empobrecidos pelos saques dos bárbaros lombardos e outros. Administrou os bens públicos com firmeza, coibiu os abusos dos funcionários imperiais; cuidou dos aquedutos; favoreceu o progresso dos colonos eliminando todo o resíduo de escravidão da gleba.
No momento que a Cátedra de Pedro parecia mais ameaçada, a restabeleceu definitivamente. Gregório lia muito Santo Agostinho, e soube por em prática a “Cidade de Deus”: “trabalhar na cidade terrena de olhos postos na Cidade divina”; trabalhar a história para a hora da manifestação do Reino de Deus; esses foram os fundamentos da sua atividade. Com ele a Roma imperial morta foi substituída pela Roma dos Papas.
No ano de 603, o Senado decadente se reuniu pela última vez, e o Papa tornou-se na prática o herdeiro da autoridade imperial, não por ambição política, mas por necessidade.
Com São Gregório Magno, “O Consul de Deus” (seu epitáfio), a conversão dos bárbaros passou a ser obra de toda a Igreja; por isso a cultura cristã salvou e modelou o Ocidente; que hoje, ingratamente, vira as costas para a sua origem.
O Papa Pelágio II (579-590), o enviou como legado a Constantinopla, onde permaneceu por seis anos, até 585, vivendo na corte imperial com simplicidade monástica. Quando voltou para Roma tornou-se conselheiro do Papa.
Gregório tinha qualidades de homem de governo. O historiador protestante Harnack admira “a sua sabedoria, a justiça, a mansidão, a força de iniciativa, a tolerância”. Bossuet considera-o “modelo perfeito de como se governa a Igreja.”
A sua primeira série de “Homilias sobre o Evangelho” foi lida por seu secretário, pois ele não conseguia manter-se em pé por causa da fraca saúde.
Os primeiros bárbaros que São Gregório levou à conversão com doçura e amor foram os temíveis lombardos. Aricelfo, seu chefe, em 592, invadiu Roma, matando e decapitando as pessoas. Gregório organizou a defesa de Roma ameaçada pelos lombardos, que desde 568 ameaçavam Roma. Passou a ser amado pelos lombardos e romanos. Lentamente ele conquistou os lombardos, ajudado pela princesa católica Teodolinda, bondosa e popular entre os lombardos; e que construiu muitas igrejas. Por fim, no século VII o povo lombardo veio para a Igreja.
Em seu pontificado o rei visigodo Recaredo, da Espanha, converteu-se ao catolicismo em 589, o que gerou a conversão dos suevos em seguida. Assim S. Gregório trabalhou pela conversão desse mosaico de etnias, bárbaros, na Espanha, na Itália, na Gália, etc. A sua conquista mais importante foi a Inglaterra. Ernest Lavisse escreveu que: “A Roma de S. Pedro, começa as suas conquistas onde a Roma de Augusto acabou as suas: na Bretanha e na Germânia” [Daniel Rops, vol II, p. 237].
Para lá S. Gregório mandou os seus amigos monges em 596, chefiados por S. Agostinho de Cantuária (†604), que era o prior do mosteiro beneditino de S. André. Partiu de Roma com quarenta monges, em difícil missão entre os temíveis anglos da “Angland”, que já haviam martirizado muitos cristãos.
Chegaram a nós 848 cartas de São Gregório Magno e muitas homilias ao povo. Em toda parte deixou sua marca, no campo litúrgico a promoção do canto gregoriano, o cantochão. Sua familiaridade com a Sagrada Escritura aparece nas “Homilias sobre Ezequiel” e 35 volumes de comentários sobre o “Evangelho de São João”, que tornou-se o manual básico de teologia moral da Idade Média, os “Moralia”, que atestam sua admiração por santo Agostinho. Profunda influência exerceu juntamente com a Vida de São Bento, o seu livro Regra pastoral. Reformou o clero, organizou a liturgia e reorganizou as possessões da Igreja. Não se esqueceu dos pobres.
São Gregório soube fazer valer o Primado do Papa sobre a Igreja. Antes dele, como vimos, o primado parecia ter-se transferido para o Patriarca de Constantinopla, dominado pelo imperador, o basileu. Quando o patriarca de Constantinopla adicionou-lhe o nome de “Patriarca Geral”, Gregório lembrou-lhe a promessa de Cristo a Pedro (Mt 16,18).
Eram interessantes as orientações de S. Gregório Magno para S. Agostinho de Cantuária:
“Não se devem destruir os templos dos pagãos, mas batizá-los com água benta e neles erigir altares e colocar relíquias. Onde houver o costume de sacrificar aos ídolos, seja permitido celebrar na mesma data festividades cristãs sob outra forma. Assim, no dia da festa dos santos mártires, devem os fiéis erigir tendas de ramagens e organizar ágapes. Permitindo-lhes as alegrias exteriores, adquirirão mais facilmente as alegrias interiores. Desses corações terríveis não se pode eliminar de uma só vez todo o passado. Não se escala uma montanha aos saltos, mas a passos lentos!” [DR, vol II, p. 241].
Essa orientação é preciosa para a Igreja ainda hoje. O papa João Paulo II disse na encíclica «Slavorum Apostoli» (1985, nº 21), que a inculturação verdadeira é “a encarnação do Evangelho nas culturas para purificá-las – e, por sua vez, a introdução destas na vida da Igreja”.
Christopher Dawson afirma que “o advento da nova cultura anglo-saxônica é talvez o acontecimento mais importante entre a época de Justiniano (séc. VI) e a de Carlos Magno (séc. IX)” [1991].
Prof. Felipe Aquino
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