Durante 1500 anos a Igreja Católica conservou as Sagradas Escrituras e a transmitiu a seu povo através das Missas
“Recebereis uma força, a força do
Espírito Santo que virá sobre vós; e sereis então minhas testemunhas em
Jerusalém, em toda a Judeia e Samaria, até as extremidades da terra” (At
1,8).
Diante desta passagem podemos nos
perguntar: “– Jesus deixou algo escrito?” Ele disse: “sobre a Bíblia
edificareis a minha Igreja”? Não! Cristo fundou a Igreja sobre a vida e o
testemunho dos apóstolos. Por esse motivo, não podemos afirmar que
somos uma “religião do livro” – apesar de alguns estudiosos das
religiões nos considerarem assim. Somos uma “religião do testemunho”.
Os livros contidos na Bíblia servem para
nos relatar fatos e verdades de fé. “Diante daquilo que acabei de ler,
como deve ser a minha atitude para com Deus e os meus irmãos?”. É para
que façamos este tipo de confronto conosco mesmo que as Sagradas
Escrituras existem. Servem para mudar a nossa vida (ação
transformadora). Mas nem sempre estes textos sagrados existiram. Vejamos
como se formou este conjunto de textos sagrados, para que compreendamos
a essência da Palavra de Deus.
Comecemos pelo período em que alguns
livros foram escritos. É importante saber que o escrito mais antigo do
Novo Testamento é 1Tessalonicenses – redigido por volta do ano 51 d.C.,
quando Paulo se encontrava na Acaia (cf. At 18,12). É importante
começarmos por este exemplo apenas para demonstrar que a Bíblia não
segue uma ordem cronológica; o primeiro livro do Novo Testamento não foi
o Evangelho de Mateus. Além disso, Paulo morreu e provavelmente não viu
sequer um Evangelho escrito. Os fatos sobre a vida de Jesus que este
incansável apóstolo tanto pregava foram-lhe relatados de maneira oral.
A Igreja, portanto, não nasceu da
Bíblia, mas o contrário. Ela não precisou esperar vinte anos após a
morte de Jesus para que começasse a nascer (com a carta de São Paulo
citada acima). Ela já estava aí. E, além disso, havia entre os cristãos
um código de conduta, uma certa tradição, que consistia em dizer com
fidelidade quem era Jesus Cristo.
O último livro do Novo Testamento a ser
escrito foi o Apocalipse, escrito por São João por volta do ano 100
d.C., quando este se encontrava exilado na ilha de Patmos. Nesta altura
da História ainda não havia Bíblia, apesar de todos os seus livros já
estarem escritos. Isto porque, quando São Paulo, São João, São Judas
Tadeu escreveram suas cartas eles não sabiam que estavam escrevendo
partes do Novo Testamento. Os cristãos ainda precisavam escolher quais
seriam os escritos que iriam compor as Escrituras Sagradas.
A decisão do Cânone Bíblico, isto é, dos
livros que iriam compor as Sagradas Escrituras demorou cerca de 200
anos. Um tempo relativamente longo. Mas a Igreja não resolveu cruzar os
braços e esperar esse tempo todo para então afirmar: “Pronto! Agora
somos Igreja”. Ela já era antes das Escrituras existirem.
Por volta dos anos 70 d.C. surgem os
evangelhos sinóticos e, aos 100 d.C., o evangelho de São João. Não somos
nem capazes, muitas vezes, de lembrarmos o que comemos ontem no almoço,
como é então que 70, 100 anos depois as pessoas ainda lembravam de
detalhes da fala e da vida de Jesus Cristo? Somente por obra do Espírito
Santo. O que nos faz crer que a Bíblia foi inspirada por Deus.
Leia também: O catolicismo através da história
Além de toda essa dificuldade ainda
havia hereges que queriam reduzir o Novo Testamento a pouquíssimos
livros, já outros queriam fazer um apanhado com mais de 40 livros – como
era o caso dos gnósticos. Coube, então, aos bispos da Santa Igreja o
papel de discernir quais escritos falavam de Cristo com autenticidade e
quais eram apócrifos. Portanto, o Espírito deveria inspirar quem
escrevia e quem lia. Cada novo escrito que chegava ao conhecimento dos
bispos era como uma maçaneta nova, caso o prelado tivesse a chave, a
autenticidade da porta seria provada.
Passaram-se muitos anos e já havia
Bíblia em muitos lugares. Era por volta do ano de 1500. Neste período
nasceu a Reforma Protestante. Para Martinho Lutero, foi fácil afirmar
que sola scriptura (somente a Escritura) é fundamento para a verdade de
fé, quando vivia na época da imprensa e podia fazer tiragem de cópias e
distribuir Bíblia a quem quisesse.
Durante 1500 anos a Igreja Católica
conservou as Sagradas Escrituras e a transmitiu a seu povo através das
Missas, isto porque nem todos tinham condições de ter a Bíblia em casa.
Esta era escrita em pergaminho (feito com pele de carneiro), com uma
tinta especial e através de um monge que escrevia à mão a Bíblia
inteirinha. Agora, imagine o preço de um produto como esse! Era
caríssimo! Por isso, só era reservada a mosteiros, catedrais e
bibliotecas ricas.
Mas a Santa Igreja, em sua grande
sabedoria, jamais deixou de transmitir Jesus Cristo, a Palavra de Deus, o
Verbo Encarnado às pessoas. Mesmo quando a Bíblia ainda nem estava
escrita. Sempre foi possível falar de Jesus. Daquele homem que tocou a
vida de muitas pessoas ao longo de dois mil anos.
A Palavra de Deus não é a Bíblia, é
Jesus, vivo e ressuscitado. Não é um livro onde aprendemos uma doutrina.
Nem mesmo um livrinho de histórias. Quando lemos sobre Jesus na
Celebração Eucarística trazemos Cristo à assembleia e não apenas um
saber milenar. Da mesma maneira que ele vem em forma de pão a nós,
também vem em forma de palavra.
Fr. Thiago Pereira, SCJ
Fonte: Aleteia.org/pt
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