O Natal é tempo propício para eleger e retomar propósitos, uma
preparação qualificada com reflexos no percurso dos dias do novo ano que
se aproxima. Assumir propósitos é um exercício educativo e
indispensável. São metas desenhadas no horizonte da existência, que
precisa ser qualificada. Definir e planejar objetivos são tarefas que
podem garantir as correções de rumos, o alcançar de entendimentos
indispensáveis e o ajustamento de condutas nos contextos familiar,
institucional e social. As metas não podem ser pensadas apenas nas
engrenagens empresariais e institucionais, pois a vida não se constrói
sem disciplina individual.
Indispensável é o propósito de cada
um compreender-se como pessoa humana, coração da paz. Deve se tornar
inegociável e compromisso determinante a atitude diária de respeitar o
próximo. Um respeito testemunhado em cada gesto e palavras, no cuidado
com aquilo que é público e está a serviço de todos. Há uma gramática
própria no coração humano que precisa ser recuperada dos desgastes que o
consumismo, a indiferença e a mesquinhez do egoísmo e da ganância
produzem, desfigurando a humanidade, impulsionando corações ao ódio, à
violência, à vingança, que matam a fraternidade como missão e
propriedade do ser humano. Essa gramática do coração humano se recompõe
pela reconquista do sentido de transcendência, exercitado pela
espiritualidade.
A vida vivida, construída e entendida apenas do
lado de fora, conduzida por exterioridades, desgasta culturas e pessoas,
produzindo cenários desoladores, da miséria à violência. A
espiritualidade exercitada como competência no reconhecimento do lugar
central de Deus na própria vida se desdobra em compromisso com a
ecologia da paz, isto é, a igualdade da natureza de todas as pessoas.
Esta compreensão produz sensibilidade na consideração da realidade
social, aquela próxima de cada um de nós, deixando-se incomodar pelas
insidiosas desigualdades no acesso a bens essenciais, como água, comida,
saúde e moradia. Dessa consideração, surge a prática de pequenos e
grandes gestos, o compromisso de cada cidadão no cuidado para com os
pobres.
Não importa se o que cada um faz seja como uma gota
d'água no oceano, pois o oceano é feito de gotas d'água. São
indispensáveis todos os gestos de solidariedade de cada um. Esta tarefa
educativa permanente dos corações deve ser assumida pela família. Se
cada família for conduzida como comunidade de paz, se tornará uma
permanente escola de solidariedade, capaz de modular, de modo
humanístico e justo, a sociedade contemporânea. A família é o lugar
primário das relações humanas e, consequentemente, da sociedade. Nela
não se pode perder o sentido dos ritos, a aprendizagem dos limites e do
respeito incondicional à vida. Se o sentido da paz não for aprendido na
família, ficará comprometida a gramática do coração humano. Monstros
nascerão, as arbitrariedades presidirão as dinâmicas da sociedade e
traçada estará uma avalanche de relativizações.
Avançar na
contramão das violências que desfiguram a sociedade supõe assumir o
propósito de não se deixar vencer pelo mal. É preciso superá-lo com o
bem. O mal tem o rosto de quem o escolhe. É praticado por quem se
esquiva das exigências do amor. A competência para o bem moral nasce do
amor, manifesta-se e é orientado por ele. E esse amor está plenamente
manifestado em Cristo Jesus, o Salvador da humanidade. Celebrar o seu
Natal é antes e acima de tudo compreender a lógica do amor, não
permitindo, por nenhuma razão ou título sua camuflagem com ilusórias
escolhas e passageiras comemorações.
O grande propósito prático e
incidente é vencer o mal com o bem, sempre e em todas as
circunstâncias, dedicando particular atenção ao bem comum com suas
vertentes sociais e políticas. O propósito de ouro é buscar o bem do
outro como se fora o seu. Ainda mais precioso, com efeitos
revolucionários, é a meta indicada por Jesus de não se fazer aos outros o
que não se deseja a si mesmo. Que o caminho para a paz seja percorrido
com a convicção de que a paz não pode ser alcançada sem justiça, e não
há justiça sem perdão. Perdoar e fazer o bem devem ser sempre os
propósitos de Natal.
Dom Walmor Oliveira de Azevedo
Arcebispo metropolitano de Belo Horizonte
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