-Ô menino, por que você não quer sair com a gente? – Raiva. Ninguém me entende.
-Raiva? Que pecado, meu filho! Criança não sente raiva.
- E você, homem, por que não chega em casa mais cedo? – Pra quê? Pra passar raiva?
- E você, mulher? Por que não para quieta? Quando
não está batendo perna na rua, só fica enfiada nessa cozinha? – Até
parece que faço, porque gosto.
Hoje, vamos refletir sobre o
sentimento de raiva nas relações familiares. Situação essa que tem
afastado os seus membros do encontro fraterno, do almoço aos domingos e
os afastado do cuidado que um deveria ter com o outro.
A
elaboração do sentimento de raiva acontece devido à frequência, à
duração e à intensidade com que os eventos que provocam frustração e
pavor acontecem dentro desse contexto, que eliciam repostas de ansiedade
e tensão, provocando o medo de conviver com seus próprios familiares. É
muito importante que, na rotina doméstica, a família ocupe um espaço
significativo e que todos a reconheçam como fonte de vida.
O
treino de conviver com cada membro como único ajudará na manutenção dos
vínculos e da boa convivência. Consequentemente, todos desejarão estar
em família. Mas e a raiva? Qual o lugar desse sentimento no
comportamento das pessoas quando estão com seus familiares?
Segundo
Ivan Capelatto, em seu livro 'A Equação da Afetividade', "a raiva nada
mais é que a manifestação do medo. Resultado da ação de uma região de
nosso cérebro, composta pelas amígdalas cerebrais. Esta parte do cérebro
também é responsável pela proteção do indivíduo, por sua reação diante
dos perigos do mundo. São responsáveis pelas reações de medo, que farão
com que lutemos ou fujamos", ressalta o autor. Diante dessa explicação, é
possível compreender que todos nós estamos sujeitos a sentir raiva e
manifestar medo diante de situações em que ela é provocada. O ambiente
familiar é propício para que esse sentimento venha à tona com
constância. São pessoas com comportamentos diferentes, mas que convivem e
precisam de alinhamento em suas relações para garantir a felicidade. Um
exemplo muito comum, apresentado por Capelatto, é o da criança que,
quando interrompida, em sua brincadeira, porque tem que tomar banho,
corre risco de sentir medo de perder aquele prazer que estava sentindo.
Nesse momento, as amígdalas são acionadas, a expressão da criança será
de raiva por não saber lidar com o medo. De forma semelhante, acontece
com o casal quando interrompido em uma relação sexual com a chegada
inesperada do filho em seu quarto; além daqueles momentos comuns vividos
nas famílias brasileiras: ir ao supermercado e não poder fazer a feira
ou não poder pagar o Plano de Saúde que precisam ou desejam ter.
Quem
nunca ouviu essas expressões: "Que raiva! Quem tem clima para namorar
com tantos problemas?", "Quando chega o fim de semana, não aguentamos
nem mais brincar com os filhos de tão cansados!". Esses eventos causam
danos à vida psicológica da criança e de qualquer ser humano, além de
afetar o clima familiar. O sentimento que está por trás de cada
expressão dessas é o de raiva, e precisará ser bem administrado para que
não passe a controlar a alegria, o temor e o humor da família.
Portanto, as reações que cada um demonstra deverão ser entendidas,
inicialmente como uma manifestação do organismo que funciona bem. Nem
sempre aceitar tudo, demonstrar não sentir raiva e ser a família
perfeita e boazinha do bairro é sinal de convivência saudável. Essas
reações são sintomas de uma realidade. A falta de raiva em situações
reais pode implicar em ausência de medo, indiferença e,
consequentemente, sensação desconfortável.
Qual a consequência?
Relacionamentos frios e artificiais. E estar em família nos fará sentir
um peixe fora d'água. Não faremos questão de encontrar um dia para
estarmos juntos. Será sempre ruim conviver com quem tem o nosso sangue
se não ouvirmos o que a raiva, que sempre manifesta o medo, quer falar.
Estar junto sem se sentir pertença, por causa da raiva não sentida, do
medo não amparado, da verdade não dita e da falta de acolhimento às
necessidades de todos, é colocar a família em um beco sem saída. Será
sempre o fim de um sonho. Um pesadelo conviver. Ter tempo para a família
é decidir viver em contato com as nossas emoções sem perder o respeito e
o amor por quem nos deu muito mais do que um nome e um sobrenome.
Deu-nos a vida!
Se dermos atenção a quem está ao nosso lado e o
acolhermos em seus momentos de raiva e medo, será mais fácil agendar um
dia ou dois, passar o feriado e tantas outras datas juntos!
Qual dia você escolheu para estar em família?
Judinara Braz
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