sábado, 31 de maio de 2014

Série Mártires do século XX: Parte 3



martiresOs mártires do comunismo na Albânia
Dom Estevão Bettencourt narra a perseguição e os casos de martírio do comunismo na Albânia dominada pela Rússia. (Revista PR, 456, 200, p. 194). Vejamos o impressionante relato:
Em 1945, a Albânia tornou-se uma República Popular sob a chefia de Enver Hoxha, que empreendeu violenta opressão religiosa contra cristãos e muçulmanos. A Igreja Católica então contava 124.000 fiéis num total de um milhão de habitantes, mas a sua irradiação ia muito além do número de fiéis. A perseguição desencadeou-se primeiramente contra os Bispos, os Religiosos e os missionários estrangeiros; os fiéis que os defendiam, foram presos, torturados e, às vezes, mortos por recusarem denunciar publicamente os pretensos crimes do clero. Essa primeira onda persecutória visava também a cortar o relacionamento do clero com a Santa Sé mediante argumentos e promessas sedutoras. Os clérigos resistiram; então Enver Hoxha, a conselho de Stalin, resolveu eliminar radicalmente a Igreja Católica. Em 1948 só restava um Bispo católico em vida nas montanhas do Norte do país. Ficavam ainda umas poucas dezenas de presbíteros, que procuravam atender à Liturgia dominical, passando de uma paróquia a outra sob a permanente ameaça de encarceramento ou de execução sumária.
A situação em breve se modificou quando o governo albanês rompeu com a Iugoslávia; precisava de se consolidar interiormente; daí travar negociações com a Igreja em busca de um modus vivendi. Em 1951, Enver Hoxha aceitou firmar um tratado com Mons. Shilaku, reconhecendo os laços da Igreja na Albânia com Roma. Todavia o texto oficial publicado pelo governo albanês não correspondeu ao que fora estipulado nas conversações. Houve então protestos da parte de sacerdotes, que foram assassinados ou enviados para campos de concentração. Apesar de tudo, o povo católico não renunciava a viver a sua fé.
Entre 1952 e 1967, a situação se estabilizou entre repressão governamental e resistência dos fiéis. Todos os anos um sacerdote ou uma Religiosa morria em prisão ou em campo de concentração. Quem estava em campo de concentração, era retirado, por vezes, para comparecer a uma sessão de humilhação pública nas ruas das grandes cidades.
Aos 6 de fevereiro de 1967, Enver Hoxha dirigiu um discurso a toda a nação, incitando a juventude albanesa a levar a termo a luta “contra as superstições religiosas”. Os guardas vermelhos da Albânia, à semelhança dos da China, foram encarregados dessa revolução cultural. As igrejas, os conventos, as mesquitas foram tomados de assalto, profanados, saqueados, incendiados, destruídos ou transformados em depósitos, lojas ou apartamentos. Em oito meses, 2169 lugares de culto foram assim extintos. Aos 22 de novembro de 1967, a Gazette, órgão oficial do governo albanês, publicou um decreto que anulava todos os acordos entre confissões religiosas e o Estado. A administração dos sacramentos, os rituais e as preces públicas foram proibidos sob pena de graves sanções. Os últimos membros do clero e os Religiosos foram presos, espancados em público, humilhados, intimados a apostar e, na maioria, enviados para campos de concentração. Não houve, porém, uma única defecção da parte de sacerdotes católicos.
O governo foi mais além… Pôs-se atacar qualquer objeto, símbolo ou gesto que pudesse ter significado religioso até mesmo na intimidade da família. Tenha-se em vista o seguinte caso: os católicos albaneses costumam iniciar suas refeições tomando um copo de raki, sua bebida preferida, e levantando a taça com as palavras: “Louvado seja Jesus Cristo!”. Pois bem, a partir de 1967 tais dizeres podiam custar cinco anos de prisão. Os(as) professores(as) de escolas maternais perguntavam às crianças se sabiam fazer o sinal da cruz; caso alguma criança demonstrasse sabê-lo, os seus genitores eram punidos até com cinco anos de prisão. Era proibido fabricar terços com grãos de girassol, como fazem os camponeses de Albânia. Era interditada a Rádio Vaticana, que todas as noites tinha emissões em língua albanesa. Em 1975, foram excluídos também todos os nomes que pudessem lembrar a religião: Benedito(a), Pedro, Paulo, Maria, Joana…
Não obstante, houve famílias que continuaram a transmitir a fé a seus filhos de maneira secreta. Alguns poucos sacerdotes clandestinos ainda celebravam os sacramentos às ocultas. Nos campos de concentração, os padres batizavam os adultos que o desejassem; caso fossem descobertos, como o foi o Pe. Kurti, eram executados.
Apesar de toda essa repressão religiosa, não se viu surgir o homem novo albanês exaltado pelos discursos de Enver Hoxha; a vida de fé prosseguiu clandestinamente, enquanto o país foi afundando na miséria ainda hoje perceptível.
Uma autêntica filha da Albânia, Madre Teresa de Calcutá via essa realidade com olhos confiantes na Providência Divina. Assim, ao receber o Prêmio Nobel da Paz de 1979, declarou:
“Creio que a Igreja na Albânia está vivendo a experiência de sexta-feira santa, mas nossa fé nos ensina que a vida de Cristo não terminou na sexta-feira santa, e, sim, se consumou na Ressurreição. Nosso povo albanês há de guardar esta verdade na sua mente. Tal é o segredo da paciência cristã…”
Os primeiros sinais de distensão religiosa ocorreram após a morte de Enver Hoxha. Mas somente em novembro de 1990 (um ano após a queda do Muro de Berlim), o Pe. Simon Jubani um dos raros sobreviventes, celebrou a primeira Missa pública após 1967, correndo ainda o risco da própria vida. Em breve, porém, pôde batizar uma centena de adultos. O regime comunista recuou, como nos demais países da Europa, e aos fiéis foi concedida a liberdade de crença.
Com dificuldade a Albânia procura reerguer-se. Ainda há violência no interior do país, agravada em 1998 e 1999 pelas guerras nos Bálcãs.
1.1.    Algumas das vítimas
1)  Cyprian Nika
Cyprian Nika era o padre Provincial dos Franciscanos da Albânia. Após algumas semanas de cárcere e torturas, foi levado à presença de oficiais do Estado para discutir sobre a existência de Deus. Disse-lhes: “Como ser humano pensante, creio que existe algo após esta breve existência na terra, em que o bem e o mal encontrarão a respectiva sanção. Algo que ultrapassa os limites da natureza humana, algo de sobre-humano, de sobrenatural, em que o mal e a injustiça não terão lugar”. Não lhe foi dado acabar o seu discurso, pois os seus interlocutores perderam a paciência e puseram-se a injuriá-lo. Um deles exclamou: “Meu deus é Enver Hoxha!”. O Religioso orou então: “Faça-se a tua vontade!”. Foi fuzilado pouco depois.
2)  Daniel Dajani
Quando andava por uma das ruas da cidade de Shkodër com um dos seus seminaristas, o Pe. Daniel Dajani foi interpelado por agitadores, que o insultaram. Continuou a caminhar sem responder. Mas o jovem seminarista, perturbado, não conseguir recuperar a calma. O Pe. Daniel disse-lhe: “Caro Lazër, eles vieram com espingardas, mas foram embora com amor”. Finalmente o Pe. Daniel Foi preso e testemunhou diante dos seus juízes: “Desde a infância tenho fé e estou pronto a morrer para dar testemunho da minha fé”. Foi então executado juntamente com Mozafer Pipa, o jovem advogado muçulmano que o defendera.
3)  Ded Macaj
Este jovem sacerdote de 28 anos foi condenado à morte após um processo simulado. Declarou diante do pelotão que o executou: “Perante Deus, em cuja presença vou comparecer em breve, e perante vocês, caros soldados, declaro que sou assassinado tão somente por causa do ódio à Igreja Católica. E eu o digo sem amargura nem ódio para com aqueles que me vão fuzilar”.
4)  Mikel Betoja
Este jovem sacerdote clandestino foi depreendido a celebrar a Missa às ocultas numa aldeia. Foi logo condenado a quinze anos de campo de concentração por motivo de “agitação e propaganda”. Professou então sua fé em público. Em conseqüência a sua sentença foi logo trocada pela de condenação à morte. Executaram-no aos 10/02/74.
5)  Ded Malaj
O jovem vigário de Dajc foi fuzilado às margens do lago de Shkodër por Ter continuado a exercer o seu ministério. Os fiéis que o defenderam, foram mandados para campos de concentração. Acontece, porém, que trinta anos depois a aldeia continua fiel à sua fé católica.
6)  Leonardo Shajakaj
Sacerdote de 76 anos de idade, recusou dizer o que ouvira em confissão. Foi executado por causa deste “crime” em 1964.
7)  Mons. Gjergj Volsj
Fora o mais jovem Bispo do Mundo. Recusou-se a romper com Roma. Foi então preso e torturado durante meses. Na véspera de ser executado, recebeu a visita de sua mãe, que chorou. Mas o filho lhe disse: “Mãe, não chores por causa do teu filho; antes, chora por todo o povo”.
Prof. Felipe Aquino

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