Dom Estevão Bettencourt narra a
perseguição e os casos de martírio do comunismo na Albânia dominada pela
Rússia. (Revista PR, 456, 200, p. 194). Vejamos o impressionante
relato:
Em 1945, a Albânia tornou-se uma
República Popular sob a chefia de Enver Hoxha, que empreendeu violenta
opressão religiosa contra cristãos e muçulmanos. A Igreja Católica então
contava 124.000 fiéis num total de um milhão de habitantes, mas a sua
irradiação ia muito além do número de fiéis. A perseguição
desencadeou-se primeiramente contra os Bispos, os Religiosos e os
missionários estrangeiros; os fiéis que os defendiam, foram presos,
torturados e, às vezes, mortos por recusarem denunciar publicamente os
pretensos crimes do clero. Essa primeira onda persecutória visava também
a cortar o relacionamento do clero com a Santa Sé mediante argumentos e
promessas sedutoras. Os clérigos resistiram; então Enver Hoxha, a
conselho de Stalin, resolveu eliminar radicalmente a Igreja Católica. Em
1948 só restava um Bispo católico em vida nas montanhas do Norte do
país. Ficavam ainda umas poucas dezenas de presbíteros, que procuravam
atender à Liturgia dominical, passando de uma paróquia a outra sob a
permanente ameaça de encarceramento ou de execução sumária.
A situação em breve se modificou quando o
governo albanês rompeu com a Iugoslávia; precisava de se consolidar
interiormente; daí travar negociações com a Igreja em busca de um modus vivendi.
Em 1951, Enver Hoxha aceitou firmar um tratado com Mons. Shilaku,
reconhecendo os laços da Igreja na Albânia com Roma. Todavia o texto
oficial publicado pelo governo albanês não correspondeu ao que fora
estipulado nas conversações. Houve então protestos da parte de
sacerdotes, que foram assassinados ou enviados para campos de
concentração. Apesar de tudo, o povo católico não renunciava a viver a
sua fé.
Entre 1952 e 1967, a situação se
estabilizou entre repressão governamental e resistência dos fiéis. Todos
os anos um sacerdote ou uma Religiosa morria em prisão ou em campo de
concentração. Quem estava em campo de concentração, era retirado, por
vezes, para comparecer a uma sessão de humilhação pública nas ruas das
grandes cidades.
Aos 6 de fevereiro de 1967, Enver Hoxha
dirigiu um discurso a toda a nação, incitando a juventude albanesa a
levar a termo a luta “contra as superstições religiosas”. Os guardas
vermelhos da Albânia, à semelhança dos da China, foram encarregados
dessa revolução cultural. As igrejas, os conventos, as mesquitas foram
tomados de assalto, profanados, saqueados, incendiados, destruídos ou
transformados em depósitos, lojas ou apartamentos. Em oito meses, 2169
lugares de culto foram assim extintos. Aos 22 de novembro de 1967, a Gazette,
órgão oficial do governo albanês, publicou um decreto que anulava todos
os acordos entre confissões religiosas e o Estado. A administração dos
sacramentos, os rituais e as preces públicas foram proibidos sob pena de
graves sanções. Os últimos membros do clero e os Religiosos foram
presos, espancados em público, humilhados, intimados a apostar e, na
maioria, enviados para campos de concentração. Não houve, porém, uma
única defecção da parte de sacerdotes católicos.
O governo foi mais além… Pôs-se atacar
qualquer objeto, símbolo ou gesto que pudesse ter significado religioso
até mesmo na intimidade da família. Tenha-se em vista o seguinte caso:
os católicos albaneses costumam iniciar suas refeições tomando um copo
de raki, sua bebida preferida, e levantando a taça com as
palavras: “Louvado seja Jesus Cristo!”. Pois bem, a partir de 1967 tais
dizeres podiam custar cinco anos de prisão. Os(as) professores(as) de
escolas maternais perguntavam às crianças se sabiam fazer o sinal da
cruz; caso alguma criança demonstrasse sabê-lo, os seus genitores eram
punidos até com cinco anos de prisão. Era proibido fabricar terços com
grãos de girassol, como fazem os camponeses de Albânia. Era interditada a
Rádio Vaticana, que todas as noites tinha emissões em língua albanesa.
Em 1975, foram excluídos também todos os nomes que pudessem lembrar a
religião: Benedito(a), Pedro, Paulo, Maria, Joana…
Não obstante, houve famílias que
continuaram a transmitir a fé a seus filhos de maneira secreta. Alguns
poucos sacerdotes clandestinos ainda celebravam os sacramentos às
ocultas. Nos campos de concentração, os padres batizavam os adultos que o
desejassem; caso fossem descobertos, como o foi o Pe. Kurti, eram
executados.
Apesar de toda essa repressão religiosa,
não se viu surgir o homem novo albanês exaltado pelos discursos de
Enver Hoxha; a vida de fé prosseguiu clandestinamente, enquanto o país
foi afundando na miséria ainda hoje perceptível.
Uma autêntica filha da Albânia, Madre
Teresa de Calcutá via essa realidade com olhos confiantes na Providência
Divina. Assim, ao receber o Prêmio Nobel da Paz de 1979, declarou:
“Creio que a Igreja na Albânia está
vivendo a experiência de sexta-feira santa, mas nossa fé nos ensina que a
vida de Cristo não terminou na sexta-feira santa, e, sim, se consumou
na Ressurreição. Nosso povo albanês há de guardar esta verdade na sua
mente. Tal é o segredo da paciência cristã…”
Os primeiros sinais de distensão
religiosa ocorreram após a morte de Enver Hoxha. Mas somente em novembro
de 1990 (um ano após a queda do Muro de Berlim), o Pe. Simon Jubani um
dos raros sobreviventes, celebrou a primeira Missa pública após 1967,
correndo ainda o risco da própria vida. Em breve, porém, pôde batizar
uma centena de adultos. O regime comunista recuou, como nos demais
países da Europa, e aos fiéis foi concedida a liberdade de crença.
Com dificuldade a Albânia procura
reerguer-se. Ainda há violência no interior do país, agravada em 1998 e
1999 pelas guerras nos Bálcãs.
1.1. Algumas das vítimas
1) Cyprian Nika
Cyprian Nika era o padre Provincial dos
Franciscanos da Albânia. Após algumas semanas de cárcere e torturas, foi
levado à presença de oficiais do Estado para discutir sobre a
existência de Deus. Disse-lhes: “Como ser humano pensante, creio que
existe algo após esta breve existência na terra, em que o bem e o mal
encontrarão a respectiva sanção. Algo que ultrapassa os limites da
natureza humana, algo de sobre-humano, de sobrenatural, em que o mal e a
injustiça não terão lugar”. Não lhe foi dado acabar o seu discurso,
pois os seus interlocutores perderam a paciência e puseram-se a
injuriá-lo. Um deles exclamou: “Meu deus é Enver Hoxha!”. O Religioso
orou então: “Faça-se a tua vontade!”. Foi fuzilado pouco depois.
2) Daniel Dajani
Quando andava por uma das ruas da cidade
de Shkodër com um dos seus seminaristas, o Pe. Daniel Dajani foi
interpelado por agitadores, que o insultaram. Continuou a caminhar sem
responder. Mas o jovem seminarista, perturbado, não conseguir recuperar a
calma. O Pe. Daniel disse-lhe: “Caro Lazër, eles vieram com
espingardas, mas foram embora com amor”. Finalmente o Pe. Daniel Foi
preso e testemunhou diante dos seus juízes: “Desde a infância tenho fé e
estou pronto a morrer para dar testemunho da minha fé”. Foi então
executado juntamente com Mozafer Pipa, o jovem advogado muçulmano que o
defendera.
3) Ded Macaj
Este jovem sacerdote de 28 anos foi
condenado à morte após um processo simulado. Declarou diante do pelotão
que o executou: “Perante Deus, em cuja presença vou comparecer em breve,
e perante vocês, caros soldados, declaro que sou assassinado tão
somente por causa do ódio à Igreja Católica. E eu o digo sem amargura
nem ódio para com aqueles que me vão fuzilar”.
4) Mikel Betoja
Este jovem sacerdote clandestino foi
depreendido a celebrar a Missa às ocultas numa aldeia. Foi logo
condenado a quinze anos de campo de concentração por motivo de “agitação
e propaganda”. Professou então sua fé em público. Em conseqüência a sua
sentença foi logo trocada pela de condenação à morte. Executaram-no aos
10/02/74.
5) Ded Malaj
O jovem vigário de Dajc foi fuzilado às
margens do lago de Shkodër por Ter continuado a exercer o seu
ministério. Os fiéis que o defenderam, foram mandados para campos de
concentração. Acontece, porém, que trinta anos depois a aldeia continua
fiel à sua fé católica.
6) Leonardo Shajakaj
Sacerdote de 76 anos de idade, recusou dizer o que ouvira em confissão. Foi executado por causa deste “crime” em 1964.
7) Mons. Gjergj Volsj
Fora o mais jovem Bispo do Mundo.
Recusou-se a romper com Roma. Foi então preso e torturado durante meses.
Na véspera de ser executado, recebeu a visita de sua mãe, que chorou.
Mas o filho lhe disse: “Mãe, não chores por causa do teu filho; antes,
chora por todo o povo”.
Prof. Felipe Aquino
Nenhum comentário:
Postar um comentário