1. Sabemos que em 476 os ostrogodos tomaram a cidade de Roma, fazendo
cair o Império Romano antigo. De então por diante dominaram a Itália e
procuraram estender seu poder a outros territórios da Europa. Os
bizantinos, a princípio, reconheceram o domínio ostrogodo na península
itálica.
Todavia em 553 o reino ostrogodo, já muito debilitado interiormente, após vinte anos de guerra acabou cedendo à pressão dos bizantinos. Estes então fizeram da península itálica uma província do Império bizantino, que tinha seu exarca (= governador) em Ravena.
Em 568 os lombardos abandonaram a Panônia (Hungria) e invadiram o Norte da Itália; deixaram, porém, intata a cidade de Ravena, sendo bizantina. – O jugo bizantino desagradava profundamente aos habitantes do Centro e do Sul da península, porque exercia excessiva pressão fiscal, tinha funcionários corruptos e não dava a devida atenção às populações constantemente ameaçadas pelos lombardos. Doutro lado, o Papado ia aumentando cada vez mais o seu prestígio moral e político o Papa era tirado como o defensor dos pequeninos, que a ele recorriam, atribulados e carentes.
A estima devotada ao Bispo de Roma (= Papa) fazia que muitos nobres, ao morrer ou ao ingressar no mosteiro, legassem seus bens e territórios ao Pontífice. Assim teve origem, aos poucos, o chamado “Patrimônio de São Pedro”, que constava de terras na Itália e nas ilhas adjacentes. Esses bens, de extensão cada vez maior, permitiam ao Papa assumir posição de certa independência diante do Imperador bizantino e do representante deste em Ravena: o Pontífice tinha sob a sua jurisdição civil grande número de cidadãos, que trabalhavam sob a tutela papal ou eram socorridos por esta nos hospitais, asilos e orfanatos pontifícios.
Em consequência, durante todo o século VIl foi-se afirmando naturalmente o poder temporal do Papa, em virtude do desenrolar mesmo dos acontecimentos.
2. No século VIII novos fatos se desencadearam.
Em 717 o Imperador bizantino Leão III abriu a discussão em torno do culto das imagens ( ver capítulo 17).
A posição iconoclasta dos monarcas aumentou muito a animosidade entre orientais e latinos; teria produzido uma cisão política se os Papas não tivessem conservado sua lealdade ao Imperador.
Em 739 os lombardos, que não deixavam de hostilizar as populações itálicas, cercaram Roma. O Papa Gregório III pouca esperança tinha de receber auxílio de Bizâncio, que se mostrava avessa aos latinos, além de estar militarmente enfraquecida. Resolveu então, a conselho do Senado Romano, recorrer aos francos, que constituiam um reino católico próspero; o seu mordomo, Carlos Martelo, tinha, poucos anos antes, em 732, vencido os árabes muçulmanos em Poitiers. Era a primeira tentativa de desviar o eixo Roma-Bizâncio para o Ocidente. Carlos Martelo, porém, não conferiu o auxílio solicitado, por precisar dos lombardos na luta contra os sarracenos (árabes).
O sucessor de Gregório III, o Papa Zacarias (740-752) conseguiu ter paz com os lombardos durante vinte anos. Além disto, travou bom relacionamento com o reino dos francos, que eram o fundamento dos eventos futuros.
Em 747, Pepino, homem inteligente e ambicioso, mas religioso e bem intencionado com a Igreja, tornou-se o mordomo do palácio real dos francos (os reis então reinavam, mas não governavam, enquanto os mordomos governavam sem coroa). Pepino quis por termo à situação ambígua do governo dos francos; por isto recorreu ao Papa Zacarias, pedindo-lhe que recobrisse com a sua autoridade a falta de sangue real e reconhecesse a dinastia de Pepino e dos seus descendentes (os carolíngios); o Pontífice concordou com Pepino, pois este, se não era o rei de direito, era o rei de fato. Em 751 Pepino foi eleito rei dos francos na dieta (= assembléia política) de Soissons, e, a seguir, ungido por S. Bonifácio e outros bispos. Sucedeu assim ao último rei da dinastia anterior (merovíngia): Quilderico III.
Pepino em breve teve a ocasião de mostrar sua gratidão ao Papa. O rei lombardo Aistulfo (749-56), depois de ter tomado Ravena aos bizantinos, ameaçava Roma. De novo abandonado pelo Imperador Constantino V Coprônimo, o Papa Estêvão II pediu o auxílio dos francos; foi mesmo à França, aparecendo em 754 no palácio régio em Ponthion (perto de Paris). Pepino recebeu-o com todas as honras e prometeu-lhe proteção contra os lombardos; era movido a isto não por meros interesses políticos, mas por veneração sincera para com o sucessor de S. Pedro. De Ponthion o rei levou o Papa para Paris, onde este o ungiu, assim como aos seus dois filhos Carlos e Carlomano, reis dos francos; além disto, conferiu-lhes o título de “patrícios romanos”, título que implicava o dever de proteger Roma e a sua Igreja. Finalmente a amizade entre Pepino e o Papa deu ocasião a novo pacto travado em 754 em Quierzy: Pepino se obrigava não somente a defender a lgreja em Roma, mas também a libertar os territórios bizantinos ocupados pelos lombardos. Em duas campanhas militares (755 e 756) Pepino venceu Aistulfo e, apesar dos protestos de Bizâncio, doou solenemente por escrito ao Papa os territórios de Comacchio, o exarcado e a Pentápole (Rimini, Pesaro, Fano, Sinigaglia, Ancona); o documento de doação foi colocado sobre o túmulo de São Pedro. Estava assim fundado o Estado Pontifício (756), praticamente independente de Bizâncio, sob a
jurisdição do Papa e a proteção dos francos. Na verdade, tal gesto correspondia ao papel que o Pontífice já vinha exercendo em favor das populações ameaçadas da península itálica.
Existe um documento intitulado Constitutum ou Donatio Constantini segundo o qual o Imperador Constantino Magno doava ao Papa S. Silvestre (314-335) e a seus sucessores, em agradecimento pelo batismo e a cura da lepra, poder e dignidade imperiais; além disto, conferia-lhe o domínio sobre o palácio do Latrão, sobre Roma e todas as cidades dos territórios ocidentais; pelo quê, Constantino transferia a sua residência para Bizâncio. Este documento faz parte de uma coleção falsa de leis – os decretais do Pseudo-isidoro -, que teve origem no século IX. Por toda a Idade Média a Donatio Constantini foi considerada autêntica. Todavia a partir do século XV a sua genuidade foi contestada, de modo que hoje em dia é reconhecida como falso documento.
A Consolidação do Estado Pontifício
No reino dos francos, Pepino reinou até a morte, mantendo sempre boas relações com o Papado. Sucederam-lhe os dois filhos, Carlos (Magno) e Carlomano, que dividiram o reino entre si. Em 771, porém, Carlomano faleceu, deixando como único soberano Carlos Magno, homem violento, mas de boas intenções, que teve significado indelével na história.
A princípio Carlos desenvolveu política pouco favorável ao Papa; queria aproximar-se dos lombardos, inclusive mediante uma aliança matrimonial ilegítima (Carlos Magno repudiara sua esposa Himiltrude para unir-se a uma princesa lombarda). Censurado pelo Papa, Carlos separou-se da mulher ilegítima e continuou a política de seu pai, propícia ao Estado Pontifício.
A grande figura de Carlos correspondia a do Papa Adriano I, eleito em 772, pouco depois da unificação dos francos. O rei Desidério, dos lombardos, resolveu atacar de novo os territórios pontifícios, inclusive marchando sobre Roma. O Pontífice apelou para os francos: em 773, Carlos interveio cercando Pavia, a capital dos lombardos; durante o sítio, na Páscoa de 774 o rei dos francos foi a Roma e lá confirmou a doação que Pepino fizera a Estêvão II, além disto, doou-lhe as cidades de Imola, Bolonha e Ferrara.
Poucos meses após estes fatos, caiu Pavia; o rei Desidério, dos lombardos, entregou-se e assim extinguiu-se definitivamente o reino autônomo dos lombardos; Carlos assumiu oficialmente o título, de “Rei dos francos e dos lombardos e Patrício dos Romanos”.
Em 781 desapareceu também todo vestígio de dominação bizantina sobre o Estado Pontifício; aliás, esse domínio já era mais teórico do que real nos últimos decênios; os legados de Carlos Magno expulsaram os bizantinos de seus últimos redutos na península. Os Papas desde então datam os seus documentos, contando os anos do seu pontificado, e mandam cunhar as suas moedas.
Todavia, emancipando-se dos bizantinos, o Papa caiu sob a influência, cada vez mais penetrante, dos francos. Ninguém negava, naquele fim de século, que o Estado Pontifício fazia parte do Reino franco. Fazia parte, porém, de modo diferente do que ligava os demais territórios aos francos; com efeito, os outros príncipes da Itália eram vassalos do rei dos francos e dos lombardos; nomeados por este, administravam em nome dele. Quanto ao Papa, não era vassalo nem funcionário do rei; o que o ligava ao rei dos francos, era um “pacto de amor e fidelidade”, pacto que ligava mais do que uma aliança entre iguais, menos porém do que um ato de vassalagem. Era o título de “Patrício”, o cargo de Protetor do Estado Pontifício, que abria a Carlos Magno a porta para se ingerir continuamente neste: frequentemente aparecem missi (enviados) francos no território papal, que representam o rei nas eleições de bispos, transmitem desejos ou protestos do rei não somente em matéria de administração temporal, mas também no tocante ao governo interno da Igreja.
Carlos Magno Imperador
Em 795 morreu o Papa Adriano I, que teve por sucessor Leão III. Este comunicou logo sua eleição a Carlos Magno, mandando-lhe as chaves do túmulo de S. Pedro e a bandeira da cidade de Roma, ao mesmo tempo que Ihe prometia fidelidade. Carlos Magno respondeu felicitando o Papa; depois disto, mandava-lhe conselhos e instruções, como se fosse o verdadeiro chefe político e religioso dos cristãos.
A posição de Leão III era insegura, por causa de acusações que contra ele levantavam os sobrinhos do seu antecessor. Carlos Magno então foi a Roma em novembro de 800 a fim de por termo à controvérsia. Aos 23/12/800 reuniu-se um Sínodo em Roma, sob a presidência de Carlos: fiel à antiga norma do Direito eclesiástico (“a Sé Apostólica por ninguém pode ser julgada”), a assembléia absteve-se de julgar o Papa; este repeliu com juramento as acusações que lhe eram feitas.
Dois dias depois, ocorreu acontecimento de enorme importância. Na noite de Natal de 800, quando na basílica de S. Pedro Carlos se levantava após ter rezado diante do túmulo de S. Pedro, Leão III impôs sobre a sua cabeça preciosa coroa, enquanto o povo aclamava: “A Carlos Augusto, coroado por vontade de Deus, grande e pacífico Imperador Romano, vida e vitória!” – Esta cerimônia não causou surpresa; parecia preparada. Se de fato foi previamente combinada, julga-se que a iniciativa partiu de Carlos, pois este não era homem que deixasse que lhe impusessem um acontecimento de tal envergadura.
Este evento significava a renovação do Império Romano Ocidental, que perecera em 476 e que era restaurado em sentido novo: o “Patrício Romano” se tornava Imperador Romano no Sacro Império Romano, como era chamado a partir do século XIII Como se compreende, a Itália e o Papado ficavam definitivamente subtraídos à jurisdição de Constantinopla. O novo título implicava, para Carlos, um aumento de autoridade moral e política diante dos demais soberanos do Ocidente e uma dignidade religiosa que o confirmava na função de proteger a Igreja.
Após a coroação, as relações de Carlos com o Papa continuaram amistosas, embora o Papa tivesse que se queixar, não raro, da intrusão de funcionários francos no Estado Pontifício, enquanto os legados papais com dificuldade eram ouvidos na corte imperial.
O Imperador muito se interessou pela formação do clero; mandou elaborar um repertório de sermões típicos para facilitar a pregação; incentivou o canto-chão. Mas em geral nomeava bispos e abades (mesmo dentre os leigos) e exigia dos prelados serviço ao Estado (hospedagem do rei em viagem, missões políticas, participação em certas campanhas…). Exortava bispos e Papa ao cumprimento de seus deveres, sendo que ao Papa atribuía a função de rezar como Moisés (ef. Ex 17,10-13). Dos leigos exigia que soubessem ao menos o Pai-Nosso e o Credo.
Em síntese, Carlos Magno foi um herói cristão, que teve suas fraquezas, mas a quem a posteridade deve reconhecer o mérito de haver tentado criar um Ocidente cristão.
Todavia em 553 o reino ostrogodo, já muito debilitado interiormente, após vinte anos de guerra acabou cedendo à pressão dos bizantinos. Estes então fizeram da península itálica uma província do Império bizantino, que tinha seu exarca (= governador) em Ravena.
Em 568 os lombardos abandonaram a Panônia (Hungria) e invadiram o Norte da Itália; deixaram, porém, intata a cidade de Ravena, sendo bizantina. – O jugo bizantino desagradava profundamente aos habitantes do Centro e do Sul da península, porque exercia excessiva pressão fiscal, tinha funcionários corruptos e não dava a devida atenção às populações constantemente ameaçadas pelos lombardos. Doutro lado, o Papado ia aumentando cada vez mais o seu prestígio moral e político o Papa era tirado como o defensor dos pequeninos, que a ele recorriam, atribulados e carentes.
A estima devotada ao Bispo de Roma (= Papa) fazia que muitos nobres, ao morrer ou ao ingressar no mosteiro, legassem seus bens e territórios ao Pontífice. Assim teve origem, aos poucos, o chamado “Patrimônio de São Pedro”, que constava de terras na Itália e nas ilhas adjacentes. Esses bens, de extensão cada vez maior, permitiam ao Papa assumir posição de certa independência diante do Imperador bizantino e do representante deste em Ravena: o Pontífice tinha sob a sua jurisdição civil grande número de cidadãos, que trabalhavam sob a tutela papal ou eram socorridos por esta nos hospitais, asilos e orfanatos pontifícios.
Em consequência, durante todo o século VIl foi-se afirmando naturalmente o poder temporal do Papa, em virtude do desenrolar mesmo dos acontecimentos.
2. No século VIII novos fatos se desencadearam.
Em 717 o Imperador bizantino Leão III abriu a discussão em torno do culto das imagens ( ver capítulo 17).
A posição iconoclasta dos monarcas aumentou muito a animosidade entre orientais e latinos; teria produzido uma cisão política se os Papas não tivessem conservado sua lealdade ao Imperador.
Em 739 os lombardos, que não deixavam de hostilizar as populações itálicas, cercaram Roma. O Papa Gregório III pouca esperança tinha de receber auxílio de Bizâncio, que se mostrava avessa aos latinos, além de estar militarmente enfraquecida. Resolveu então, a conselho do Senado Romano, recorrer aos francos, que constituiam um reino católico próspero; o seu mordomo, Carlos Martelo, tinha, poucos anos antes, em 732, vencido os árabes muçulmanos em Poitiers. Era a primeira tentativa de desviar o eixo Roma-Bizâncio para o Ocidente. Carlos Martelo, porém, não conferiu o auxílio solicitado, por precisar dos lombardos na luta contra os sarracenos (árabes).
O sucessor de Gregório III, o Papa Zacarias (740-752) conseguiu ter paz com os lombardos durante vinte anos. Além disto, travou bom relacionamento com o reino dos francos, que eram o fundamento dos eventos futuros.
Em 747, Pepino, homem inteligente e ambicioso, mas religioso e bem intencionado com a Igreja, tornou-se o mordomo do palácio real dos francos (os reis então reinavam, mas não governavam, enquanto os mordomos governavam sem coroa). Pepino quis por termo à situação ambígua do governo dos francos; por isto recorreu ao Papa Zacarias, pedindo-lhe que recobrisse com a sua autoridade a falta de sangue real e reconhecesse a dinastia de Pepino e dos seus descendentes (os carolíngios); o Pontífice concordou com Pepino, pois este, se não era o rei de direito, era o rei de fato. Em 751 Pepino foi eleito rei dos francos na dieta (= assembléia política) de Soissons, e, a seguir, ungido por S. Bonifácio e outros bispos. Sucedeu assim ao último rei da dinastia anterior (merovíngia): Quilderico III.
Pepino em breve teve a ocasião de mostrar sua gratidão ao Papa. O rei lombardo Aistulfo (749-56), depois de ter tomado Ravena aos bizantinos, ameaçava Roma. De novo abandonado pelo Imperador Constantino V Coprônimo, o Papa Estêvão II pediu o auxílio dos francos; foi mesmo à França, aparecendo em 754 no palácio régio em Ponthion (perto de Paris). Pepino recebeu-o com todas as honras e prometeu-lhe proteção contra os lombardos; era movido a isto não por meros interesses políticos, mas por veneração sincera para com o sucessor de S. Pedro. De Ponthion o rei levou o Papa para Paris, onde este o ungiu, assim como aos seus dois filhos Carlos e Carlomano, reis dos francos; além disto, conferiu-lhes o título de “patrícios romanos”, título que implicava o dever de proteger Roma e a sua Igreja. Finalmente a amizade entre Pepino e o Papa deu ocasião a novo pacto travado em 754 em Quierzy: Pepino se obrigava não somente a defender a lgreja em Roma, mas também a libertar os territórios bizantinos ocupados pelos lombardos. Em duas campanhas militares (755 e 756) Pepino venceu Aistulfo e, apesar dos protestos de Bizâncio, doou solenemente por escrito ao Papa os territórios de Comacchio, o exarcado e a Pentápole (Rimini, Pesaro, Fano, Sinigaglia, Ancona); o documento de doação foi colocado sobre o túmulo de São Pedro. Estava assim fundado o Estado Pontifício (756), praticamente independente de Bizâncio, sob a
jurisdição do Papa e a proteção dos francos. Na verdade, tal gesto correspondia ao papel que o Pontífice já vinha exercendo em favor das populações ameaçadas da península itálica.
Existe um documento intitulado Constitutum ou Donatio Constantini segundo o qual o Imperador Constantino Magno doava ao Papa S. Silvestre (314-335) e a seus sucessores, em agradecimento pelo batismo e a cura da lepra, poder e dignidade imperiais; além disto, conferia-lhe o domínio sobre o palácio do Latrão, sobre Roma e todas as cidades dos territórios ocidentais; pelo quê, Constantino transferia a sua residência para Bizâncio. Este documento faz parte de uma coleção falsa de leis – os decretais do Pseudo-isidoro -, que teve origem no século IX. Por toda a Idade Média a Donatio Constantini foi considerada autêntica. Todavia a partir do século XV a sua genuidade foi contestada, de modo que hoje em dia é reconhecida como falso documento.
A Consolidação do Estado Pontifício
No reino dos francos, Pepino reinou até a morte, mantendo sempre boas relações com o Papado. Sucederam-lhe os dois filhos, Carlos (Magno) e Carlomano, que dividiram o reino entre si. Em 771, porém, Carlomano faleceu, deixando como único soberano Carlos Magno, homem violento, mas de boas intenções, que teve significado indelével na história.
A princípio Carlos desenvolveu política pouco favorável ao Papa; queria aproximar-se dos lombardos, inclusive mediante uma aliança matrimonial ilegítima (Carlos Magno repudiara sua esposa Himiltrude para unir-se a uma princesa lombarda). Censurado pelo Papa, Carlos separou-se da mulher ilegítima e continuou a política de seu pai, propícia ao Estado Pontifício.
A grande figura de Carlos correspondia a do Papa Adriano I, eleito em 772, pouco depois da unificação dos francos. O rei Desidério, dos lombardos, resolveu atacar de novo os territórios pontifícios, inclusive marchando sobre Roma. O Pontífice apelou para os francos: em 773, Carlos interveio cercando Pavia, a capital dos lombardos; durante o sítio, na Páscoa de 774 o rei dos francos foi a Roma e lá confirmou a doação que Pepino fizera a Estêvão II, além disto, doou-lhe as cidades de Imola, Bolonha e Ferrara.
Poucos meses após estes fatos, caiu Pavia; o rei Desidério, dos lombardos, entregou-se e assim extinguiu-se definitivamente o reino autônomo dos lombardos; Carlos assumiu oficialmente o título, de “Rei dos francos e dos lombardos e Patrício dos Romanos”.
Em 781 desapareceu também todo vestígio de dominação bizantina sobre o Estado Pontifício; aliás, esse domínio já era mais teórico do que real nos últimos decênios; os legados de Carlos Magno expulsaram os bizantinos de seus últimos redutos na península. Os Papas desde então datam os seus documentos, contando os anos do seu pontificado, e mandam cunhar as suas moedas.
Todavia, emancipando-se dos bizantinos, o Papa caiu sob a influência, cada vez mais penetrante, dos francos. Ninguém negava, naquele fim de século, que o Estado Pontifício fazia parte do Reino franco. Fazia parte, porém, de modo diferente do que ligava os demais territórios aos francos; com efeito, os outros príncipes da Itália eram vassalos do rei dos francos e dos lombardos; nomeados por este, administravam em nome dele. Quanto ao Papa, não era vassalo nem funcionário do rei; o que o ligava ao rei dos francos, era um “pacto de amor e fidelidade”, pacto que ligava mais do que uma aliança entre iguais, menos porém do que um ato de vassalagem. Era o título de “Patrício”, o cargo de Protetor do Estado Pontifício, que abria a Carlos Magno a porta para se ingerir continuamente neste: frequentemente aparecem missi (enviados) francos no território papal, que representam o rei nas eleições de bispos, transmitem desejos ou protestos do rei não somente em matéria de administração temporal, mas também no tocante ao governo interno da Igreja.
Carlos Magno Imperador
Em 795 morreu o Papa Adriano I, que teve por sucessor Leão III. Este comunicou logo sua eleição a Carlos Magno, mandando-lhe as chaves do túmulo de S. Pedro e a bandeira da cidade de Roma, ao mesmo tempo que Ihe prometia fidelidade. Carlos Magno respondeu felicitando o Papa; depois disto, mandava-lhe conselhos e instruções, como se fosse o verdadeiro chefe político e religioso dos cristãos.
A posição de Leão III era insegura, por causa de acusações que contra ele levantavam os sobrinhos do seu antecessor. Carlos Magno então foi a Roma em novembro de 800 a fim de por termo à controvérsia. Aos 23/12/800 reuniu-se um Sínodo em Roma, sob a presidência de Carlos: fiel à antiga norma do Direito eclesiástico (“a Sé Apostólica por ninguém pode ser julgada”), a assembléia absteve-se de julgar o Papa; este repeliu com juramento as acusações que lhe eram feitas.
Dois dias depois, ocorreu acontecimento de enorme importância. Na noite de Natal de 800, quando na basílica de S. Pedro Carlos se levantava após ter rezado diante do túmulo de S. Pedro, Leão III impôs sobre a sua cabeça preciosa coroa, enquanto o povo aclamava: “A Carlos Augusto, coroado por vontade de Deus, grande e pacífico Imperador Romano, vida e vitória!” – Esta cerimônia não causou surpresa; parecia preparada. Se de fato foi previamente combinada, julga-se que a iniciativa partiu de Carlos, pois este não era homem que deixasse que lhe impusessem um acontecimento de tal envergadura.
Este evento significava a renovação do Império Romano Ocidental, que perecera em 476 e que era restaurado em sentido novo: o “Patrício Romano” se tornava Imperador Romano no Sacro Império Romano, como era chamado a partir do século XIII Como se compreende, a Itália e o Papado ficavam definitivamente subtraídos à jurisdição de Constantinopla. O novo título implicava, para Carlos, um aumento de autoridade moral e política diante dos demais soberanos do Ocidente e uma dignidade religiosa que o confirmava na função de proteger a Igreja.
Após a coroação, as relações de Carlos com o Papa continuaram amistosas, embora o Papa tivesse que se queixar, não raro, da intrusão de funcionários francos no Estado Pontifício, enquanto os legados papais com dificuldade eram ouvidos na corte imperial.
O Imperador muito se interessou pela formação do clero; mandou elaborar um repertório de sermões típicos para facilitar a pregação; incentivou o canto-chão. Mas em geral nomeava bispos e abades (mesmo dentre os leigos) e exigia dos prelados serviço ao Estado (hospedagem do rei em viagem, missões políticas, participação em certas campanhas…). Exortava bispos e Papa ao cumprimento de seus deveres, sendo que ao Papa atribuía a função de rezar como Moisés (ef. Ex 17,10-13). Dos leigos exigia que soubessem ao menos o Pai-Nosso e o Credo.
Em síntese, Carlos Magno foi um herói cristão, que teve suas fraquezas, mas a quem a posteridade deve reconhecer o mérito de haver tentado criar um Ocidente cristão.
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