Para economistas do CE, é limitado o efeito da PEC que obriga gestores a cumprir as promessas feitas na campanha
No último dia 28, foi aprovada, em comissão especial na Câmara Federal, uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que obriga gestores - das esferas municipal, estadual e federal - a cumprirem promessas feitas na campanha política. Apesar de a proposta ser considerada um avanço, porque em tese ampliaria as cobranças ao poder público, especialistas cearenses em administração pública avaliam que os resultados podem ser tímidos, tendo em vista que, para que a PEC pudesse ser aprovada, foi retirada a punição aos prefeitos, governadores e presidente da República que descumpram a resolução.
Deputado João Paulo Lima é o relator da PEC que obriga os gestores públicos a cumprirem as promessas feitas durante a campanha eleitoral Foto: KID Júnior
Em entrevista ao Diário do Nordeste, o deputado João Paulo Lima (PT-PE), relator da Proposta de Emenda à Constituição 52 - que apensa a PEC 10 - explica que a proposta está pronta para ser votada em plenário, acrescentando que a intenção é que ela seja apreciada antes do dia 5 de outubro, um ano antes do próximo pleito, prazo para que vigore nas eleições de 2014. "Nós podemos dizer que a proposta foi consensual, porque é originária de duas PECs e a grande divergência era referente à punição com a não reeleição", explica.
Questionado se a retirada da pena não limita os efeitos da PEC, João Paulo Lima justifica que a pressão para que os gestores cumpram o prometido nas campanhas eleitorais ficará a cargo do controle social. "Na nossa avaliação, iria ter um grande processo de judicialização e o ideal é que o povo possa escolher", defende o parlamentar.
Conforme a proposta que deverá ser levada ao plenário da Câmara Federal, de quatro em quatro meses, prefeitos, governadores e presidente da República deverão prestar contas de suas ações nas câmaras municipais, assembleias legislativas e Câmara Federal, respectivamente. "Com a ampla divulgação, a sociedade vai ter mais condições de acompanhar. Primeiro, (o gestor) tem 120 dias para elaborar o plano de metas. Depois é obrigado a fazer a apresentação", declara João Paulo.
Flexibilidade
O relator da PEC reconhece que, no País, ainda há certa flexibilidade com as propostas apresentadas durante as campanhas eleitorais e muitas delas acabam sendo engavetadas. "De um modo geral, o que tem havido é que muitos candidatos prometem o mundo e não conseguem assumir o que se comprometeram. A PEC vai impor responsabilidade desde o programa eleitoral". E completa: "A sociedade vai ter um instrumento dos resultados apresentados".
De acordo com a proposta, que está sendo chamada de PEC da Responsabilidade Eleitoral, cabe às casas legislativas dar visibilidade à apresentação das propostas, através de endereços na Internet, meios de comunicação e outras ferramentas. "Temos que dar uma ampla divulgação para ampliar o controle social", enfatiza o deputado federal João Paulo Lima.
Por sua vez, o professor de controladoria e orçamento da Universidade de Fortaleza (Unifor), Paulo Roberto Nunes, avalia que a ausência de uma punição mais evidente fragiliza a aplicação da PEC, já que deixa os gestores em situação confortável. "É de se esperar que seja dito o que precisa ser cumprido e os ônus pelo descumprimento daquela regra", destaca.
O especialista, que também é servidor público da Controladoria e Ouvidoria Geral do Estado (CGE), ressalta que colocar toda a responsabilidade no controle social é questionável porque esse ainda é um conceito que está sendo amadurecido no País. "Em sociedades que têm um nível de cidadania mais evoluído, não é surpreendente não aplicar as punições, porque a sociedade consegue cumprir efetivamente o controle social. Mas essa não é a situação do Brasil ainda", argumenta o docente.
O professor Paulo Roberto Nunes esclarece que, a despeito das campanhas pela transparência na administração pública e pelo controle social, a população ainda não compreende com clareza os limites entre o público e o privado, englobando direitos e deveres. "Ainda estamos entendendo o controle social e também os nossos deveres. Por exemplo, o cidadão tem direito a um transporte público, mas também é responsável por ele. Nem dos seus deveres a população tem completa noção. Não vejo como a sociedade exercer o controle social no nível que estamos nesse momento", analisa.
Na avaliação de Paulo Roberto, um dos aspectos que contribuem com a ineficiência da administração pública é a lentidão de processos licitatórios. Dessa forma, explica, nem sempre a inoperância da máquina pública ou mesmo o descumprimento das promessas eleitorais é culpa exclusiva da falta de interesse dos gestores. "Se um pregão eletrônico levaria 20 ou 25 dias úteis, em função do que a legislação permite de recursos, pode levar três, quatro meses ou até um ano. E isso foge totalmente do controle do gestor público", pondera.
Burocracia
Conforme acrescenta o professor de controladoria, levando-se em conta a burocracia e a lentidão da administração pública, cabe ao gestor ser transparente com o uso dos recursos públicos. "Há quem diga que, na administração pública, um dia corresponde a 15 dias. De um modo geral, os processos são muito menos rápidos. É possível que o descumprimento não seja por ação do gestor público, e sim do contexto que as coisas acontecem. Existe a incompetência também, mas não pode dizer que seja 100% dos casos", ressalta.
Já o diretor geral do Instituto de Pesquisa e Estratégica Econômica do Ceará (IPECE), Flávio Ataliba, opina que cabe aos gestores - principalmente aos prefeitos - prestar contas das ações concretizadas e justificar o porquê de alguns empreendimentos não terem sido finalizados. "De maneira geral, há uma preocupação maior (dos gestores) do que no passado. Há claramente uma conscientização maior. É um processo que a gente vê que vai evoluindo, mas é preciso aprimorar o espaço da interação social entre a sociedade e o gestor. Há um caminho muito longo ainda a ser percorrido", avalia.
Para Flávio Ataliba, uma das dificuldades encontradas pelos prefeitos é a instabilidade dos repasses do Governo Federal, como os valores do Fundo de Participação dos Municípios (FPM) e outras transferências da União. "Existem muitas condicionantes que estão fora de controle do gestor local, como, nos últimos meses, desonerações de automóveis, linha branca, que teve impacto no IPI. Os municípios passaram a ter mais dificuldade no controle de suas contas", pondera o economista.
Conforme o Diário do Nordeste divulgou no dia 1º de setembro, 125 dos 184 municípios do Ceará estão inadimplentes com o Governo Federal por não terem prestado contas de recursos federais. A situação deixa essas cidades impossibilitadas de firmar convênios com a União e, portanto, prejudica a execução de obras e projetos nessas localidades, à exceção das áreas centrais como Saúde e Educação.
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