Não, não é qualquer erro que pode ser causa da nulidade do matrimônio. Tem de tratar-se de algum ponto bem importante para a constituição da comunhão de vida que é o matrimônio. Vamos expor, muito sinteticamente, os casos previstos pela legislação da Igreja:
A) ERRO SOBRE O PRÓPRIO MATRIMÔNIO, enquanto instituição, quer dizer, tal como ele querido por Deus e regulamentado pela Igreja. É o que chamamos de “erro de direito”. Lembremos que o casamento é um pacto, mediante o qual os cônjuges se comprometem a formar uma comunhão da vida toda, que tende a ser fecunda. Ainda mais, conforme a doutrina da Igreja, expressa no cânon 1056, essa comunhão é necessariamente uma e indissolúvel; e, para os cristãos, é um sacramento. Quantos, porém, pensam atualmente de modo diferente? Sobretudo, após a introdução da lei civil do divórcio. Quantos casam pensando que, “se não der certo, a gente parte para uma outra”? Há, nesses casos, verdadeiro consentimento matrimonial?
O problema não é fácil de resolver. A legislação canônica faz uma distinção fundamental: não é o mesmo pensar do que querer. Eu posso pensar que o matrimônio se pode dissolver, mas isso não significa necessariamente que eu queira que ele seja dissolvido de fato. Pode até acontecer exatamente o contrário, ou seja, que, pensando que o matrimônio é dissolúvel, eu queira que o meu matrimônio dure para toda a vida. É desta distinção que deriva a norma do código canônico: “O erro a respeito da unidade, da indissolubilidade ou da dignidade sacramental do matrimônio, contanto que não determine a vontade, não vicia o consentimento matrimonial” (cân. 1099)
B) ERRO SOBRE A IDENTIDADE DA PESSOA. É algo tão óbvio que quase não precisa de explicação. Se André quer casar com Maria e, no momento de casar, quem dá o “sim” é Joana, é evidente que André não consentiu em unir sua vida com a de Joana. O caso é, porém, pouco menos do que teórico.
Contudo, mais do que a identidade física, deveríamos olhar a identidade moral das pessoas, ou seja, o que chamamos comumente de personalidade. Ora, quando a personalidade de um cônjuge se revela completamente diferente de como era conhecida antes do casamento, pode-se dizer que o consentimento matrimonial do cônjuge que errou é verdadeiro? Não acabou por casar com uma pessoa inexistente, que formou em sua imaginação? Ao nosso modo de ver, nesse caso, poderia ser invocado, como causa de nulidade o erro sobre a pessoa de que trata o cânon 1097 §1. O problema está em terminar o limite entre o que é apenas uma qualidade, mas não muda fundamentalmente a personalidade, e a própria personalidade. A dificuldade, porém, não nos deve impedir de reconhecer que pode haver matrimônios nulos por erro sobre a personalidade do cônjuge.
C) ERRO SOBRE AS QUALIDADES DA PESSOA. Aqui o caso se complica. Sempre existe margem de erro. Há, por exemplo, quem pensa que sua noiva é rica e acaba resultando que é de condição bastante modesta; um outro acha que ela será uma boa ama de casa, e acaba comprovando que nem sequer sabe fritar ovos; um outro ainda acredita que sua noiva é virgem, mas está rotundamente errado. Por sua vez, uma moça acha que seu noivo é muito responsável, mas, quando casa, percebe que ele é incapaz de organizar a própria vida e que tem de receber tudo prontinho; uma outra o imagina muito atencioso, mas, após o casamento ele passa a comportar-se grosseiramente. Os casos se podem multiplicar à vontade. Até onde se pode invocar o erro sobre uma qualidade acidental, que não muda basicamente a personalidade, para dizer que um casamento foi nulo? O Código de Direito Canônico resolve a questão declarando que a nulidade existe se o erro for em relação a “uma qualidade direta e principalmente visada” (cân.1097§2). Ou seja, quando se faz muita questão de que essa qualidade exista no parceiro com que se vai unir a vida.
D) UM ERRO DOLOSO. A nova legislação canônica ainda introduziu uma norma nova sobre o erro acerca das qualidades de uma pessoa. Pode acontecer que alguém nem sequer pense sobre uma qualidade concreta- por exemplo, sobre uma doença contagiosa, ou melhor, sobre a ausência dela. É claro que não se pode falar então de que visasse direta e principalmente a essa qualidade (a saúde). Mas não há dúvida de que essa doença (por exemplo, sífilis) perturba gravissimamente a convivência conjugal. Suponhamos agora que aquele que sofre essa doença a oculte propositadamente até o momento do casamento. Pois bem, para prevenir esses casos, o Código de Direito Canônico declara: “Quem contrai enganado por dolo perpetrado para obter o consentimento matrimonial, e essa qualidade, por sua natureza, possa perturbar gravemente o consórcio de vida conjugal, contrai invalidamente”. Além do exemplo que já demos (a doença grave contagiosa), pode-se pensar em outros, como o crime inafiançável, a existência de filhos nascidos de outras uniões etc.
HORTAL, J. Casamentos que nunca deveriam ter existido: uma solução pastoral. Ed. Loyola: São Paulo, 1987. p.18-20
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