1 – desmentir a crença generalizada de que a educação sexual é um
componente obrigatório do curriculum escolar (ao contrário do que se
pensa, obrigatório, como veremos, é não veicular esse conteúdo no âmbito
das disciplinas obrigatórias); e
2 – servir de subsídio aos pais para que eles pais exerçam, efetivamente — recorrendo à Justiça, se necessário –, o direito, que lhes é assegurado pela Convenção Americana de Direitos Humanos, a que seus filhos recebam a educação moral que esteja de acordo com suas próprias convicções.
Dado que a temática da educação sexual está compreendida no plano mais abrangente da educação moral, examinaremos aqui, de forma também abrangente, se o professor está legalmente obrigado ou autorizado a tratar de questões morais em sala de aula.
Cuidando-se de uma análise estritamente jurídica, não nos interessa saber se o que os professores estão ensinando em matéria de valores morais é positivo ou negativo nem se é conveniente ou inconveniente que questões morais sejam levadas para dentro da sala de aula; mas apenas se a Constituição e as leis do país permitem que isso seja feito e, caso permitam, em que condições.
Como ninguém ignora, as salas de aula estão sendo usadas de modo intensivo para promover determinados valores, com a finalidade de moldar o juízo moral, os sentimentos e as atitudes dos estudantes em relação a certos temas.
Que temas são esses? Depende da moda, das novelas, da ONU, da UNESCO e das minorias que controlam o MEC e as secretarias de educação. Pode ser orientação sexual, questões de gênero, “direitos reprodutivos” (p. ex., aborto), modelos familiares, ética, etc.
Os educadores chamam isso de “educação de valores”.
Não existe uma disciplina escolar intitulada “educação de valores”. Esse conteúdo é “espalhado” nas disciplinas obrigatórias do curriculum — Português, Matemática, Geografia, Biologia, História –, por meio de uma técnica chamada transversalidade. Assim, por exemplo, numa aula de Ciências, ao tratar do aparelho reprodutor, o professor aproveita para explicar aos alunos “como se transa”; ou, numa aula de Comunicação e Expressão, o professor manda que os alunos leiam um texto que, a pretexto de combater o “preconceito”, promove o comportamento homossexual.
Nesse tipo de educação, o objetivo não é transmitir conhecimento, mas, sim, inculcar valores e sentimentos na consciência do estudante de modo que ele tenha determinado comportamento. É um tipo de lavagem cerebral, porque utiliza, muitas vezes, técnicas de manipulação mental bastantes conhecidas, conforme demonstrado por Pascal Bernardin, no livro “Maquiavel Pedagogo ou o ministério da reforma psicológica”.
Acontece que os valores promovidos pela escola não coincidem necessariamente com aqueles que o estudante aprende em casa com seus pais. E isso fica muito claro quando o assunto é alguma questão relacionada à moral sexual.
Como se sabe, um dos temas mais explorados na educação de valores é a sexualidade. E, ao tratar desse tema nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) — um documento que contém recomendações a serem observadas pelas escolas de todo o país –, o MEC adota dois princípios fundamentais: “direito ao prazer” e “sexo seguro”. Tudo mais é rotulado de “tabu” ou “preconceito” (a palavra preconceito aparece 17 vezes no caderno de orientação sexual dos PCNs).
O texto abaixo — extraído de um livro escrito para crianças de 7 a 10 anos, intitulado “Mamãe, como eu nasci?” — é um exemplo de como a coisa funciona na prática. O autor, Marcos Ribeiro, é sexólogo, com curso de Educação Sexual pelo Centro Nacional de Educación Sexual (Havana, Cuba); consultor em Sexualidade para o Ministério da Saúde, Fundação Roberto Marinho, entre outras instituições públicas e privadas; parecerista para o Ministério da Educação nos Parâmetros Curriculares Nacionais e co-autor dos Parâmetros Curriculares Nacionais em Ação (Educação Infantil, Ensino Fundamental e Educação de Jovens e Adultos. Ou seja, é um especialista que presta serviço para o governo e para entidades que atuam na educação de crianças e jovens.
Pois bem, ao tratar do tema da masturbação infantil, o Sr. Marcos Ribeiro, dirigindo-se a crianças de 7 a 10 anos, escreve o seguinte:
“Alguns meninos gostam de brincar com o seu pênis, e algumas meninas com a sua vulva, porque é gostoso. As pessoas grandes dizem que isso vicia ou “tira a mão daí que isso é feio”. Só sabem abrir a boca para proibir. Mas a verdade é que essa brincadeira não causa nenhum problema. Você só tem que tomar cuidado para não sujar ou machucar, porque é um lugar muito sensível. Mas não esqueça: essa brincadeira, que dá uma cosquinha muito boa, não é para ser feita em qualquer lugar. É bom que você esteja num canto, sem ninguém por perto.”
[Chamo a atenção para a sintonia entre a abordagem feita pelo autor e os princípios adotados pelo MEC nos PCNs: direito ao prazer e sexo seguro.]
Transcrevo, a seguir, uma passagem do caderno de Orientação Sexual dos PCNs que contém sugestões de temas a serem tratados em sala de aula:
“Com a inclusão da Orientação Sexual nas escolas, a discussão de questões polêmicas e delicadas, como masturbação, iniciação sexual, o “ficar” e o namoro, homossexualidade, aborto, disfunções sexuais, prostituição e pornografia, dentro de uma perspectiva democrática e pluralista [leia-se: relativista], em muito contribui para o bem-estar das crianças, dos adolescentes e dos jovens na vivência de sua sexualidade atual e futura.”
Em suma, não há dúvida de que as disciplinas obrigatórias do curriculum — tanto das escolas públicas, quanto das particulares — estão sendo usadas para promover determinados valores morais, especialmente, em questões ligadas à sexualidade.
O problema — e aqui chegamos ao aspecto propriamente jurídico da matéria — é que isto se choca com o direito dos pais a que seus filhos recebam a educação moral que esteja de acordo com suas próprias convicções.
Que direito é esse?
Além de ser um direito natural — ou seja, um direito que existe independentemente de estar previsto em lei, porque decorre da própria natureza das coisas –, esse direito é garantido expressamente pelo art. 12 da Convenção Americana de Direitos Humanos (CADH), também conhecida como Pacto de São José da Costa Rica.
O art. 12 da CADH diz o seguinte:
“Os pais têm direito a que seus filhos recebam a educação religiosa e moral que esteja de acordo com suas próprias convicções.”
A CADH é um tratado internacional assinado pelo governo brasileiro que tem força de lei no Brasil desde 1992. Ou melhor: de acordo com o Supremo Tribunal Federal, a CADH, por ser um tratado sobre direitos humanos, está no mesmo nível hierárquico da Constituição Federal.
Ao dizer que os pais têm direito a que seus filhos recebam a educação moral que esteja de acordo com suas próprias convicções, a CADH está reconhecendo aos pais o direito de decidir a educação moral que será transmitida a seus filhos.
Ora, se cabe aos pais decidir o que seus filhos devem aprender em matéria de moral, nem o governo, nem a escola, nem os professores têm o direito de usar as disciplinas obrigatórias — aquelas disciplinas que o estudante é obrigado a frequentar sob pena de ser reprovado –, para tratar de conteúdos morais que não tenham sido previamente aprovados pelos pais dos alunos.
Com outras palavras: o governo, as escolas e os professores não podem se aproveitar do fato de os pais serem obrigados a mandar seus filhos para a escola, e do fato de os estudantes não poderem deixar de frequentar as disciplinas obrigatórias, para desenvolver nessas disciplinas conteúdos morais que possam estar em conflito com as convicções dos pais.
Por outro lado, o art. 5º, inciso VI, da Constituição Federal, estabelece:
VI – é inviolável a liberdade de consciência e de crença, (…);
Ora, se o governo, as escolas ou os professores usarem as disciplinas obrigatórias para tentar obter a adesão dos alunos a determinadas pautas morais, isso fatalmente se chocará com a liberdade de consciência dos alunos.
Observo, de passagem, que a liberdade de consciência é absoluta. As pessoas são 100% livres para ter suas próprias convicções e opiniões a respeito do que quer que seja. Ninguém pode obrigar uma pessoa a acreditar ou não acreditar em alguma coisa. O Estado pode obrigá-la a fazer ou não fazer alguma coisa, mas não pode pretender invadir a consciência do indivíduo para forçá-lo ou induzi-lo a ter essa ou aquela opinião sobre determinado assunto. Isto só acontece em países totalitários como Cuba e Coreia do Norte.
Como o ensino obrigatório não anula e não restringe a liberdade de consciência do indivíduo — do contrário, ele seria inconstitucional –, o fato de o estudante ser obrigado a cursar determinada disciplina impede terminantemente que o Estado, a escola ou o professor se utilizem dessa disciplina para inculcar valores e sentimentos na consciência do aluno.
Além disso, é preciso considerar que a nossa religião é inseparável da nossa moral. Portanto, a liberdade religiosa dos nossos filhos também estará ameaçada se as disciplinas obrigatórias do curriculum veicularem conteúdos morais incompatíveis com os preceitos da nossa religião.
Como se vê, o ordenamento jurídico oferece ao estudante e seus pais toda a proteção necessária para impedir que o Estado, as escolas e os professores se utilizem das disciplinas obrigatórias para promover a tal “educação de valores”.
Mas não é só isso. Parece-nos inaceitável que um Estado laico como o nosso possa usar o sistema de ensino para promover valores morais. Pela simples razão de que a moral é inseparável da religião (pelo menos no que se refere à religião da esmagadora maioria do povo brasileiro, que é o Cristianismo). Se o Estado não pode promover uma determinada religião, também não pode promover uma determinada “moralidade”.
Em todo caso, se o Estado pudesse utilizar o sistema de ensino para promover valores morais, seria necessário saber, antes de mais nada, que valores seriam esses. Haveria uma lista de valores? Quem iria aprovar essa lista? O Congresso Nacional? O Presidente da República? Os Governadores dos Estados? Os Prefeitos? Os funcionários do Ministério da Educação? Cada professor em sua respectiva sala de aula?
Por aí já se vê a absoluta impossibilidade constitucional da utilização do sistema de ensino para a promoção de uma determinada agenda moral. Mas, a despeito dessa impossibilidade constitucional, essa política está sendo aplicada em nosso país pela burocracia do MEC e das secretarias estaduais e municipais de educação, pelas escolas, pelos professores e pelas editoras de livros didáticos.
A abordagem de questões morais em sala de aula — em prejuízo, diga-se, de conteúdos que a escola deveria transmitir aos alunos — vem sendo feita sem nenhuma base legal. Não existe lei, votada pelo Congresso Nacional ou pelas Assembleias Legislativas dos Estados, determinando ou permitindo que o sistema de ensino seja usado com essa finalidade. E se lei existisse, ela seria inconstitucional.
Isso está sendo feito por iniciativa exclusiva de funcionários públicos. Servidores dos ministérios e das secretarias de educação e professores estão decidindo por conta própria o que deve ser ensinado aos nossos filhos em matéria de moral — principalmente moral sexual. Funcionários públicos estão fazendo aquilo que o próprio Congresso Nacional não tem poderes para fazer.
Portanto, ao contrário do que se pensa, os professores e as escolas não só não estão obrigados a seguir as recomendações dos PCNs em matéria de educação sexual — o que o próprio MEC reconhece –, como estão proibidos de fazê-lo.
Mas suponhamos, para efeito de raciocínio, que o Estado possuísse uma “lista de valores morais” e tivesse o direito de usar o sistema de ensino para promovê-la. Nesse caso, seria necessário compatibilizar o exercício desse direito com a liberdade de consciência e de crença dos alunos e com o direito assegurado aos pais pelo art. 12 da CADH. É que, obviamente, o exercício desse suposto direito por parte do Estado não poderia ocorrer em prejuízo da liberdade dos estudantes e do direito dos pais, ambos assegurados pelas leis do país.
No entanto, é exatamente isso o que vai acontecer se os temas da tal “educação de valores” forem veiculados nas disciplinas obrigatórias, como têm sido hoje em dia, por meio da técnica da transversalidade.
Pois bem, admitindo-se que o Estado pudesse usar o sistema de ensino para promover a moralidade estatal — o que não é possível, conforme demonstrado –, qual seria a solução?
É simples. Bastaria que esses conteúdos fossem veiculados numa disciplina facultativa, a exemplo do que acontece com o ensino religioso. Conhecendo previamente o programa dessa disciplina, os pais decidiriam livremente se querem ou não que seus filhos a frequentem.
[Observação: É claro que nada disso não se aplica às escolas confessionais, já que, ao matricular seus filhos numa dessas escolas, os pais manifestam de forma inequívoca a sua concordância com os princípios morais adotados pela instituição.]
Se isso fosse feito, estariam resguardados, de um lado, o (suposto) direito do Estado de usar o sistema de ensino para promover valores morais; e, de outro, o direito dos pais a que seus filhos recebam a educação moral que esteja de acordo com suas próprias convicções e a liberdade de consciência e de crença dos estudantes.
Enquanto isso não acontecer, o governo, as escolas e os professores estão obrigados a respeitar o direito dos pais e a liberdade de consciência e de crença dos alunos. E os pais podem recorrer ao Judiciário para fazer valer esse direito.
Em resumo: o art. 12 da CADH e o art. 5º, VI, da Constituição Federal, exigem que os conteúdos morais hoje presentes nos programas das disciplinas obrigatórias sejam reduzidos ao mínimo indispensável para a assegurar que a escola possa cumprir aquela que é a sua função primordial: transmitir conhecimento aos estudantes.
Tudo o que passar disso deve ser colocado, quando muito, no programa de uma disciplina facultativa. Conhecendo o programa dessa disciplina, os pais decidirão se querem que seus filhos a frequentem.
* Procurador do Estado de São Paulo, fundador e coordenador do site www.escolasempartido.org
Fonte:http://www.escolasempartido.org/educacao-moral/442-quem-disse-que-educacao-sexual-e-conteudo-obrigatorio?fb_action_ids=220248081513823&fb_action_types=og.recommends
2 – servir de subsídio aos pais para que eles pais exerçam, efetivamente — recorrendo à Justiça, se necessário –, o direito, que lhes é assegurado pela Convenção Americana de Direitos Humanos, a que seus filhos recebam a educação moral que esteja de acordo com suas próprias convicções.
Dado que a temática da educação sexual está compreendida no plano mais abrangente da educação moral, examinaremos aqui, de forma também abrangente, se o professor está legalmente obrigado ou autorizado a tratar de questões morais em sala de aula.
Cuidando-se de uma análise estritamente jurídica, não nos interessa saber se o que os professores estão ensinando em matéria de valores morais é positivo ou negativo nem se é conveniente ou inconveniente que questões morais sejam levadas para dentro da sala de aula; mas apenas se a Constituição e as leis do país permitem que isso seja feito e, caso permitam, em que condições.
Como ninguém ignora, as salas de aula estão sendo usadas de modo intensivo para promover determinados valores, com a finalidade de moldar o juízo moral, os sentimentos e as atitudes dos estudantes em relação a certos temas.
Que temas são esses? Depende da moda, das novelas, da ONU, da UNESCO e das minorias que controlam o MEC e as secretarias de educação. Pode ser orientação sexual, questões de gênero, “direitos reprodutivos” (p. ex., aborto), modelos familiares, ética, etc.
Os educadores chamam isso de “educação de valores”.
Não existe uma disciplina escolar intitulada “educação de valores”. Esse conteúdo é “espalhado” nas disciplinas obrigatórias do curriculum — Português, Matemática, Geografia, Biologia, História –, por meio de uma técnica chamada transversalidade. Assim, por exemplo, numa aula de Ciências, ao tratar do aparelho reprodutor, o professor aproveita para explicar aos alunos “como se transa”; ou, numa aula de Comunicação e Expressão, o professor manda que os alunos leiam um texto que, a pretexto de combater o “preconceito”, promove o comportamento homossexual.
Nesse tipo de educação, o objetivo não é transmitir conhecimento, mas, sim, inculcar valores e sentimentos na consciência do estudante de modo que ele tenha determinado comportamento. É um tipo de lavagem cerebral, porque utiliza, muitas vezes, técnicas de manipulação mental bastantes conhecidas, conforme demonstrado por Pascal Bernardin, no livro “Maquiavel Pedagogo ou o ministério da reforma psicológica”.
Acontece que os valores promovidos pela escola não coincidem necessariamente com aqueles que o estudante aprende em casa com seus pais. E isso fica muito claro quando o assunto é alguma questão relacionada à moral sexual.
Como se sabe, um dos temas mais explorados na educação de valores é a sexualidade. E, ao tratar desse tema nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) — um documento que contém recomendações a serem observadas pelas escolas de todo o país –, o MEC adota dois princípios fundamentais: “direito ao prazer” e “sexo seguro”. Tudo mais é rotulado de “tabu” ou “preconceito” (a palavra preconceito aparece 17 vezes no caderno de orientação sexual dos PCNs).
O texto abaixo — extraído de um livro escrito para crianças de 7 a 10 anos, intitulado “Mamãe, como eu nasci?” — é um exemplo de como a coisa funciona na prática. O autor, Marcos Ribeiro, é sexólogo, com curso de Educação Sexual pelo Centro Nacional de Educación Sexual (Havana, Cuba); consultor em Sexualidade para o Ministério da Saúde, Fundação Roberto Marinho, entre outras instituições públicas e privadas; parecerista para o Ministério da Educação nos Parâmetros Curriculares Nacionais e co-autor dos Parâmetros Curriculares Nacionais em Ação (Educação Infantil, Ensino Fundamental e Educação de Jovens e Adultos. Ou seja, é um especialista que presta serviço para o governo e para entidades que atuam na educação de crianças e jovens.
Pois bem, ao tratar do tema da masturbação infantil, o Sr. Marcos Ribeiro, dirigindo-se a crianças de 7 a 10 anos, escreve o seguinte:
“Alguns meninos gostam de brincar com o seu pênis, e algumas meninas com a sua vulva, porque é gostoso. As pessoas grandes dizem que isso vicia ou “tira a mão daí que isso é feio”. Só sabem abrir a boca para proibir. Mas a verdade é que essa brincadeira não causa nenhum problema. Você só tem que tomar cuidado para não sujar ou machucar, porque é um lugar muito sensível. Mas não esqueça: essa brincadeira, que dá uma cosquinha muito boa, não é para ser feita em qualquer lugar. É bom que você esteja num canto, sem ninguém por perto.”
[Chamo a atenção para a sintonia entre a abordagem feita pelo autor e os princípios adotados pelo MEC nos PCNs: direito ao prazer e sexo seguro.]
Transcrevo, a seguir, uma passagem do caderno de Orientação Sexual dos PCNs que contém sugestões de temas a serem tratados em sala de aula:
“Com a inclusão da Orientação Sexual nas escolas, a discussão de questões polêmicas e delicadas, como masturbação, iniciação sexual, o “ficar” e o namoro, homossexualidade, aborto, disfunções sexuais, prostituição e pornografia, dentro de uma perspectiva democrática e pluralista [leia-se: relativista], em muito contribui para o bem-estar das crianças, dos adolescentes e dos jovens na vivência de sua sexualidade atual e futura.”
Em suma, não há dúvida de que as disciplinas obrigatórias do curriculum — tanto das escolas públicas, quanto das particulares — estão sendo usadas para promover determinados valores morais, especialmente, em questões ligadas à sexualidade.
O problema — e aqui chegamos ao aspecto propriamente jurídico da matéria — é que isto se choca com o direito dos pais a que seus filhos recebam a educação moral que esteja de acordo com suas próprias convicções.
Que direito é esse?
Além de ser um direito natural — ou seja, um direito que existe independentemente de estar previsto em lei, porque decorre da própria natureza das coisas –, esse direito é garantido expressamente pelo art. 12 da Convenção Americana de Direitos Humanos (CADH), também conhecida como Pacto de São José da Costa Rica.
O art. 12 da CADH diz o seguinte:
“Os pais têm direito a que seus filhos recebam a educação religiosa e moral que esteja de acordo com suas próprias convicções.”
A CADH é um tratado internacional assinado pelo governo brasileiro que tem força de lei no Brasil desde 1992. Ou melhor: de acordo com o Supremo Tribunal Federal, a CADH, por ser um tratado sobre direitos humanos, está no mesmo nível hierárquico da Constituição Federal.
Ao dizer que os pais têm direito a que seus filhos recebam a educação moral que esteja de acordo com suas próprias convicções, a CADH está reconhecendo aos pais o direito de decidir a educação moral que será transmitida a seus filhos.
Ora, se cabe aos pais decidir o que seus filhos devem aprender em matéria de moral, nem o governo, nem a escola, nem os professores têm o direito de usar as disciplinas obrigatórias — aquelas disciplinas que o estudante é obrigado a frequentar sob pena de ser reprovado –, para tratar de conteúdos morais que não tenham sido previamente aprovados pelos pais dos alunos.
Com outras palavras: o governo, as escolas e os professores não podem se aproveitar do fato de os pais serem obrigados a mandar seus filhos para a escola, e do fato de os estudantes não poderem deixar de frequentar as disciplinas obrigatórias, para desenvolver nessas disciplinas conteúdos morais que possam estar em conflito com as convicções dos pais.
Por outro lado, o art. 5º, inciso VI, da Constituição Federal, estabelece:
VI – é inviolável a liberdade de consciência e de crença, (…);
Ora, se o governo, as escolas ou os professores usarem as disciplinas obrigatórias para tentar obter a adesão dos alunos a determinadas pautas morais, isso fatalmente se chocará com a liberdade de consciência dos alunos.
Observo, de passagem, que a liberdade de consciência é absoluta. As pessoas são 100% livres para ter suas próprias convicções e opiniões a respeito do que quer que seja. Ninguém pode obrigar uma pessoa a acreditar ou não acreditar em alguma coisa. O Estado pode obrigá-la a fazer ou não fazer alguma coisa, mas não pode pretender invadir a consciência do indivíduo para forçá-lo ou induzi-lo a ter essa ou aquela opinião sobre determinado assunto. Isto só acontece em países totalitários como Cuba e Coreia do Norte.
Como o ensino obrigatório não anula e não restringe a liberdade de consciência do indivíduo — do contrário, ele seria inconstitucional –, o fato de o estudante ser obrigado a cursar determinada disciplina impede terminantemente que o Estado, a escola ou o professor se utilizem dessa disciplina para inculcar valores e sentimentos na consciência do aluno.
Além disso, é preciso considerar que a nossa religião é inseparável da nossa moral. Portanto, a liberdade religiosa dos nossos filhos também estará ameaçada se as disciplinas obrigatórias do curriculum veicularem conteúdos morais incompatíveis com os preceitos da nossa religião.
Como se vê, o ordenamento jurídico oferece ao estudante e seus pais toda a proteção necessária para impedir que o Estado, as escolas e os professores se utilizem das disciplinas obrigatórias para promover a tal “educação de valores”.
Mas não é só isso. Parece-nos inaceitável que um Estado laico como o nosso possa usar o sistema de ensino para promover valores morais. Pela simples razão de que a moral é inseparável da religião (pelo menos no que se refere à religião da esmagadora maioria do povo brasileiro, que é o Cristianismo). Se o Estado não pode promover uma determinada religião, também não pode promover uma determinada “moralidade”.
Em todo caso, se o Estado pudesse utilizar o sistema de ensino para promover valores morais, seria necessário saber, antes de mais nada, que valores seriam esses. Haveria uma lista de valores? Quem iria aprovar essa lista? O Congresso Nacional? O Presidente da República? Os Governadores dos Estados? Os Prefeitos? Os funcionários do Ministério da Educação? Cada professor em sua respectiva sala de aula?
Por aí já se vê a absoluta impossibilidade constitucional da utilização do sistema de ensino para a promoção de uma determinada agenda moral. Mas, a despeito dessa impossibilidade constitucional, essa política está sendo aplicada em nosso país pela burocracia do MEC e das secretarias estaduais e municipais de educação, pelas escolas, pelos professores e pelas editoras de livros didáticos.
A abordagem de questões morais em sala de aula — em prejuízo, diga-se, de conteúdos que a escola deveria transmitir aos alunos — vem sendo feita sem nenhuma base legal. Não existe lei, votada pelo Congresso Nacional ou pelas Assembleias Legislativas dos Estados, determinando ou permitindo que o sistema de ensino seja usado com essa finalidade. E se lei existisse, ela seria inconstitucional.
Isso está sendo feito por iniciativa exclusiva de funcionários públicos. Servidores dos ministérios e das secretarias de educação e professores estão decidindo por conta própria o que deve ser ensinado aos nossos filhos em matéria de moral — principalmente moral sexual. Funcionários públicos estão fazendo aquilo que o próprio Congresso Nacional não tem poderes para fazer.
Portanto, ao contrário do que se pensa, os professores e as escolas não só não estão obrigados a seguir as recomendações dos PCNs em matéria de educação sexual — o que o próprio MEC reconhece –, como estão proibidos de fazê-lo.
Mas suponhamos, para efeito de raciocínio, que o Estado possuísse uma “lista de valores morais” e tivesse o direito de usar o sistema de ensino para promovê-la. Nesse caso, seria necessário compatibilizar o exercício desse direito com a liberdade de consciência e de crença dos alunos e com o direito assegurado aos pais pelo art. 12 da CADH. É que, obviamente, o exercício desse suposto direito por parte do Estado não poderia ocorrer em prejuízo da liberdade dos estudantes e do direito dos pais, ambos assegurados pelas leis do país.
No entanto, é exatamente isso o que vai acontecer se os temas da tal “educação de valores” forem veiculados nas disciplinas obrigatórias, como têm sido hoje em dia, por meio da técnica da transversalidade.
Pois bem, admitindo-se que o Estado pudesse usar o sistema de ensino para promover a moralidade estatal — o que não é possível, conforme demonstrado –, qual seria a solução?
É simples. Bastaria que esses conteúdos fossem veiculados numa disciplina facultativa, a exemplo do que acontece com o ensino religioso. Conhecendo previamente o programa dessa disciplina, os pais decidiriam livremente se querem ou não que seus filhos a frequentem.
[Observação: É claro que nada disso não se aplica às escolas confessionais, já que, ao matricular seus filhos numa dessas escolas, os pais manifestam de forma inequívoca a sua concordância com os princípios morais adotados pela instituição.]
Se isso fosse feito, estariam resguardados, de um lado, o (suposto) direito do Estado de usar o sistema de ensino para promover valores morais; e, de outro, o direito dos pais a que seus filhos recebam a educação moral que esteja de acordo com suas próprias convicções e a liberdade de consciência e de crença dos estudantes.
Enquanto isso não acontecer, o governo, as escolas e os professores estão obrigados a respeitar o direito dos pais e a liberdade de consciência e de crença dos alunos. E os pais podem recorrer ao Judiciário para fazer valer esse direito.
Em resumo: o art. 12 da CADH e o art. 5º, VI, da Constituição Federal, exigem que os conteúdos morais hoje presentes nos programas das disciplinas obrigatórias sejam reduzidos ao mínimo indispensável para a assegurar que a escola possa cumprir aquela que é a sua função primordial: transmitir conhecimento aos estudantes.
Tudo o que passar disso deve ser colocado, quando muito, no programa de uma disciplina facultativa. Conhecendo o programa dessa disciplina, os pais decidirão se querem que seus filhos a frequentem.
* Procurador do Estado de São Paulo, fundador e coordenador do site www.escolasempartido.org
Fonte:http://www.escolasempartido.org/educacao-moral/442-quem-disse-que-educacao-sexual-e-conteudo-obrigatorio?fb_action_ids=220248081513823&fb_action_types=og.recommends
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