«Adão, onde estás?» (Gn 3,9) é a primeira pergunta que
Deus faz ao homem depois do pecado. Adão está desorientado, perdeu o seu
lugar na criação, porque pensou que ia se tornar poderoso, tudo
dominar, ser Deus. O homem peca e a harmonia se quebra. O "outro" não é
mais um irmão para amar, mas simplesmente alguém que perturba o meu
bem-estar e
me faz sofrer. Mais tarde, Deus dirige ao homem
uma segunda pergunta: «Caim, onde está o teu irmão Abel?» (Gn 4,9). O
sonho de ser poderoso, ser grande como Deus, ou melhor, ser Deus,
termina numa sucessão de erros que levam à morte, a derramar o sangue do
irmão. Estas duas perguntas ressoam também hoje, com toda a força.
Muitos de nós – e, neste
número, me incluo também eu – estamos
desorientados e desatentos ante o mundo que nos cerca. Não guardamos o
que Deus criou para todos, não nos cuidamos uns dos outros. E quando
esta desorientação atinge as dimensões do mundo, chega-se a tragédias
como as que aqui ocorrem.
«Onde está teu irmão?» não é
uma pergunta para outrem; ela é feita a mim, a você, a cada um de nós!
Estes nossos irmãos e irmãs africanos queriam sair de situações difíceis
e conseguir um pouco de serenidade e de paz; procuravam um lugar melhor
para si e para suas famílias, mas se depararam com a morte. Quantas
outras pessoas, com aspirações semelhantes, não encontram a compreensão,
a acolhida e a solidariedade que esperam! «A voz do seu sangue clama
até mim» (Gn 4,10). Quem é responsável por esse sangue? Na literatura
espanhola, há uma comédia de Félix Lopes de Vega. Ela refere que os
habitantes da cidade de Fuente Ovejuna matam o governador, mas o fazem
de modo que não se saiba quem o executou. Quando o juiz lhes pergunta:
«Quem matou o governador?», eles respondem em coro: «Fuente Ovejuna,
senhor!». Ou seja, todos e ninguém...
A mesma pergunta ressoa ainda hoje: «Quem é
responsável pelo sangue destes irmãos e irmãs?» Somos todos tentados a
responder: «Ninguém! Eu não tenho nada a ver com isso! São os outros!».
Deus, porém, continua em sua pergunta: «Onde está o sangue do teu
irmão?». Perdemos o sentido da responsabilidade fraterna. Caímos na
atitude hipócrita do sacerdote e do levita de que fala Jesus na parábola
do Bom Samaritano: ao vermos o irmão semimorto à beira da estrada,
talvez digamos: "Coitadinho!", e continuamos o caminho. Não é culpa nem
obrigação nossa! Ficamos tranquilos, com a consciência em paz. Mas, se a
culpa não é de ninguém, é porque é de todos!
A cultura do bem-estar nos leva a pensar somente
em nós. Ela nos faz insensíveis aos gritos dos irmãos e a viver como
bolas de sabão: bonitas, mas pura ilusão e futilidade. A cultura do
bem-estar nos torna indiferentes. No mundo da globalização, caímos na
globalização da indiferença! Habituamo-nos ao sofrimento dos outros: ele
não nos diz respeito, não nos interessa, não é responsabilidade nossa!
«Adão, onde estás?» e «Onde está o teu irmão?»
são as perguntas que Deus coloca no início da história da humanidade e
continua dirigindo a todos os homens do nosso tempo, a começar de nós
mesmos. Mas eu queria que nos propuséssemos uma terceira pergunta: quem
de nós chora por essa situação e por outras semelhantes? Quem chora pela
morte de tantos irmãos e irmãs? Somos uma sociedade que esqueceu a
experiência de se comover. A globalização da indiferença nos tirou a
capacidade de chorar! Que Deus nos conceda a graça de chorar pela nossa
indiferença, pela crueldade que há no mundo e por aqueles que, com suas
decisões em nível mundial, criam situações que geram esses dramas!
Dom Redovino Rizzardo
Bispo de Dourados (RS)
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