Certa vez o
Apóstolo São Paulo recomendou a seu jovem discípulo Timóteo:
“Exercita-te na piedade” (1Tm 4,7). Estes dizeres têm mais densidade do
que à primeira vista parecem ter.
Gýmnaze
seautòn pròs eusébeian. O verbo grego gýmnaze lembra a ginástica, o
exercício físico, o atletismo, que São Paulo mais de uma vez evoca para
ilustrar o que seja o treinamento espiritual do cristão (cf. 2Tm 2, 4). A
ginástica era, para os gregos, cultores da estética, um exercício
típico e compendioso, que implicava o cultivo das artes ou da técnica e
uma certa sabedoria…; em suma, era tida como indispensável à saúde do
corpo e à grandeza humana do indivíduo. Os gregos chegavam a atribuir ao
exercício físico um significado religioso: teria sido inventado pelos
deuses, de modo que os jogos atléticos na Ásia Menor (Turquia de hoje)
eram considerados cerimônias religiosas; a violação das regras do
esporte era tratada como sacrilégio.
O Apóstolo
exorta Timóteo à “ginástica” depois de lhe dizer que rejeite as fábulas
ímpias de pessoas caducas. O discípulo, portanto, não se deixará levar
pelo delírio e a caducidade de doutrinas levianas, mas há de manter a
forma… não no plano físico, e sim da eusébeia ou da piedade. Este é
outro vocábulo caro a São Paulo, que o utiliza dez vezes nas epístolas
pastorais (1/2Tm, Tt): significa mais do que a prontidão à oração;
designa, sim, o crescer na intimidade com Deus, a familiaridade com o
“mistério da piedade” (1Tm 3, 16). Frente aos erros que ameaçavam a
Igreja quando o Apóstolo escrevia a Timóteo, o treinamento na
familiaridade com Deus seria a salvaguardada e a defesa dos discípulos.
Corroborando
a exortação. O Apóstolo continua: “O exercício (gymnasía) corporal é
útil a pouca coisa” (1Tm 4,8). Com efeito; o Apóstolo reconhece os
enormes sacrifícios que faz um atleta para desenvolver a musculatura e
desempenhar-se galhardamente na corrida e no pugilato (cf. 1Cor 9,
25-27); mas verifica quão exíguos são os frutos de tal treinamento: a
coroa a ser conquistada é perecível, os aplausos humanos são efêmeros, o
corpo estará sempre sujeito à moléstia e à morte. Ao contrário, a
eusébeia produz frutos preciosos: “é proveitosa a tudo, pois contém a
promessa da vida presente e da futura” (1Tm 4,8).
É com
estas palavras do Apóstolo ante os olhos que iniciamos um novo ano (…).
Novo ano que não significará envelhecimento, mas, ao contrário, um
vigoroso rejuvenescer, se, no decorrer dos seus doze meses, soubermos
exercitar a piedade, a procura incessante de Deus e dos valores
definitivos; o treinamento espiritual há de ser fonte de fortaleza na
vida presente e penhor de inextinguível alegria na futura!
Revista: “PERGUNTE E RESPONDEREMOS”
D. Estevão Bettencourt, osb
Nº 332 – Ano 1990 – p. 1
D. Estevão Bettencourt, osb
Nº 332 – Ano 1990 – p. 1
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