sábado, 31 de agosto de 2013

A passagem do Mar Vermelho e do Rio Jordão

mar-vermelho1. A Travessia do Mar Vermelho (Êx 14, 5-31)
O  texto sagrado refere que, após a décima praga, Faraó, aterrorizado, não somente permitiu, mas ordenou que deixassem os israelitas o Egito. Estes, pois, levando mulheres, crianças, gado e demais haveres, se retiraram em caravana na direção do Oriente. Chegando, porém, às margens do mar Vermelho, viram-se em graves apuros, que lhes teriam acarretado a morte, não fora uma intervenção extraordinária de Deus.
Com efeito, após as primeiras etapas dos emigrantes, Faraó, arrependido da concessão, resolveu ir-lhes ao encalço. Alcançou-os perto do Mar, de sorte que a multidão israelita se viu comprimida entre as águas, de um lado, e as tropas inimigas, do outro.
Como escaparia ao perigo iminente?
O  Senhor fez com que a coluna de nuvem que antecedia Israel se colocasse entre este e o exército egípcio, causando opacidade entre os dois acampamentos. A seguir, Moisés, a mandado de Javé, estendeu a mão sobre o mar; um vento impetuoso de leste pôs-se a soprar durante uma noite inteira, de modo a formar no meio das águas um corredor. Era a oportuna válvula de salva­ção…; sem demora, os israelitas por ele enveredaram, passando o mar a pé totalmente enxuto! Quando os soldados de Faraó perce­beram que os fugitivos se haviam lançado na direção do mar, seguiram-lhes as pegadas, entrando no corredor aberto. Eis, po­rém, que, ao despontar o dia, Moisés, por nova ordem do Senhor, mais uma vez estendeu a mão sobre as águas, que então se fecha­ram sobre a tropa de egípcios, fazendo perecer os perseguidores.
Como se há de entender esta narrativa?
Do texto sagrado se poderia inferir que o Senhor, dividindo o Mar Vermelho, realizou um prodígio totalmente insólito ou alheio à natureza dos elementos.
Pergunta-se, porém, se o texto bíblico insinua de fato tão extraordinária intervenção da Onipotência Divina.
A isto respondem competentes estudiosos que não somente o livro sagrado, mas também os vestígios de arqueologia recém-descobertos levam a concluir que a divisão do Mar Vermelho se deve a uma concatenação de causas naturais, só tendo de extraor dinário as circunstâncias (hora, duração…) em que se verificou. Eis como se explicam tais autores:
Nos tempos pré-históricos comunicavam entre si os mares Mediterrâneo e Vermelho, os quais só aos poucos foram sendo separados pelo istmo de Suez. Na época de Moisés (ca. 1240 a.C.), julga-se que o Mar Vermelho se prolongava ainda até os Lagos Amargos e talvez o Lago de Timsah (situados hoje no referido istmo); o porto de Colzum, donde na Idade Média partiam as naves para a Índia, é hoje um acervo de ruínas situadas a dez quilômetros do litoral. Nesta sua extremidade setentrional o mar, que tendia a recuar, não devia ser muito profundo. Há decênios, Bour­don, oficial de marinha francês encarregado durante muitos anos do serviço do canal de Suez, descobriu vestígios de uma estrada que, passando pelo Egito, desembocava num vau ainda hoje exis­tente na parte meridional dos Lagos Amargos, e se prolongava do outro lado das águas; em território egípcio, ou seja, ao pé do Djebel (monte) Abu Hasa, o mesmo explorador encontrou as ruínas de um edifício que, conforme as inscrições, era simultaneamente templo religioso e fortim militar; esta construção, situada nas proximida­des da estrada e do vau referidos, devia servir para proteger a fronteira, impedindo que entrassem na terra do Faraó invasores indesejáveis, e reabastecer as caravanas que do Egito se dirigiam às minas do Monte Sinai.
Tais descobertas levam a admitir que, nos tempos de Moisés, havia uma passagem através das águas que então constituíam o Mar Vermelho, passagem cuja utilização dependia das circunstân­cias de ventos, marés etc. Ora o texto bíblico insinua que o êxodo dos israelitas se fez por um vau. Sim, o fato de que os egípcios se precipitaram águas adentro supõe que não tinham a travessia na conta de coisa impossível; deviam julgar que a passagem se tornara praticável naquela ocasião; e com razão, visto o vento impetuoso que, de leste soprando sobre as águas, era bem capaz de nelas abrir um corredor.13 O que os egípcios ignoravam – incorrendo por isto num erro fatal – era o modo maravilhoso como se tornara transitável o vau: o vento fora suscitado por Deus no momento favorável a Israel, e deixaria de soprar logo que o povo eleito o pudesse dispensar (sabe-se, aliás, que o sirocco da Arábia, o vento  qadim, começa de imprevisto e cessa também repentinamente).
A seguinte observação parece do seu modo insinuar que a travessia se fez pela parte setentrional do mar, parte que atualmente já não existe: o texto bíblico fala de passagem do “Mar dos Juncos”, não do “Mar Vermelho”, em trechos como Js 2, 10; S1 105, 7.9.22; 135, 13. Ora às margens do Mar Vermelho nas se encontra o arbusto do junco; disto se poderá deduzir que se desenvolvia outrora junto às águas que prolonga­vam o hodierno Mar Vermelho e deviam constituir propriamente o Mar dos Juncos.
Não se creia que no desastre hajam perecido todo o exército do Egito e o Faraó. O texto de Êx 14, 7 refere ter-se feito uma seleção de armas e guerreiros para constituírem a tropa persegui­dora; talvez pouco mais de mil carros armados hajam sido tragados pelas águas. Quanto ao monarca, é possível que tenha tomado parte na expedição; o texto bíblico, porém, não o diz (cf. Êx 14, 23.26.28; 15,4).
Um ou outro exegeta tenta de certo modo ilustrar a passagem, recordando o seguinte episódio da história profana:
Nas famosas guerras púnicas entre Roma e Cartago (264-146 a.C.), o chefe romano Cipião dito “o Africano” conseguiu entrar em Cartago por um lado da cidade contíguo a uma laguna; já que as águas pareciam constituir obstáculo natural aos invasores, os cartagineses não se preocu­param com a defesa dessa zona. Ora aconteceu que um vento inesperado removeu as águas e permitiu que quinhentos soldados romanos tivessem acesso a Cartago (cf. Tito Lívio, Historiar. 1.26, 46; Políbio 10, 4s).
O episódio é significativo; contudo não se lhe pode atribuir grande peso na exegese do Êxodo, se se têm em vista os termos muito sóbrios com que os historiadores greco-romanos se referem ao assunto.
2. A passagem do Rio Jordão (Js 3, 7-17)
A Moisés sucedeu Josué no governo do povo de Deus. O novo chefe devia consumar a obra do antecessor, que morrera deixando Israel à entrada da terra de Canaã. Ora, para penetrar na Palestina, era mister atravessar o Jordão. Isto se fez, como narra o hagió­grafo, a pé enxuto, paralelamente ao que se deu na travessia do Mar Vermelho.
A semelhança dos dois fenômenos é de certo modo explicada pelo texto sagrado: conforme Js 3, 7; 4, l4.23, o Senhor, no início da missão de Josué, quis reproduzir o portento realizado no princí­pio da obra de Moisés, a fim de mostrar a Israel que Deus dirigia o novo guia como sempre orientara o anterior.
E como se deu a intervenção divina?
A caravana israelita estacionou à margem esquerda do Jordão, diante da cidade de Jericó, situada no além-rio; a torrente tem aí a largura de 80 m aproximadamente, mas é pouco profunda. Corria então a época da messe (março-abril), época em que o sol da primavera faz derreter as neves do monte Hermon, ocasionando a cheia brusca e impetuosa do rio (cf. Eclo 24, 26 e 1Cr 12, 15). Não se via como a multidão de Israel poderia atravessar. Então o Senhor mandou que dois sacerdotes, carregando a arca da aliança, entrassem no rio; logo que isto se deu, a caudal interrompeu o seu curso, detendo-se perto da cidade de Adom (hoie El-Damieh, a 25 km ao Norte de Jericó); assim o leito da corrente apareceu seco, e os filhos de Israel o transpuseram facilmente; os sacerdotes deten­tores da arca permaneceram imóveis por todo o tempo da traves­sia; terminada esta, retiraram-se e o rio continuou o curso normal.
Que interpretação se há de dar ao texto bíblico?
Nada se pode objetar a quem julgue que as águas do Jordão, contrariamente às leis da natureza, constituíram repentinamente um muro imóvel em Adom.
Não é necessário, porém, admitir tão estupenda intervenção do Criador no episódio. Com efeito, na região de Adom (El- Damieh) as águas do Jordão correm entre bancos de argila, cuja altura atinge 13m, e que facilmente desmoronam; ainda em 1927, por ação de um terremoto, desabaram sobre o leito do rio, obstruindo o fluxo das águas pelo espaço de 21 horas. Além disto, sabe-se que em 1267 o sultão do Egito Melik-Daher-Bibars II desejava mandar construir uma ponte sobre o Jordão na região de El-Damieh; o ímpeto das águas, porém, dificultava grandemente o lançamento das pilastras de base; a corrente chegou a derrubar e arrastar algumas destas depois de implantadas; nessas circunstâncias a própria natureza veio em auxílio aos operários: à meia noite de 7 para 8 de dezembro,
verificaram que o Jordão deixara de correr; então, à luz de tochas, apressaram-se em consolidar os fundamentos da ponte. Contudo, a fim de se certificar da futura estabilidade da obra, quiseram investigar, a causa do fenômeno:  enviaram rio acima exploradores a cavalo, os quais averiguaram que enorme bloco de terra da margem ocidental se havia precipitado  no rio, constituindo uma barreira artificial; as águas, em consequência, se espalhavam pelo vale ao Norte do dique; somente pelas dez horas da manhã, após haver vencido o obstáculo, pôde a torrente retomar o seu curso normal.
Ora, se os fatores naturais na zona do Jordão podem produzir tais fenômenos, é plausível afirmar que Deus se tenha servido de semelhantes meios para possibilitar aos israelitas a passagem do rio.

Nenhum comentário:

Postar um comentário