Há muitas expressões na Sagrada Escritura que indicam o Senhor que fala
ao seu povo, e manifestam a força de sua palavra que cria, repreende,
educa, acompanha. Desde a forte palavra criadora do livro do Gênesis,
passando pela intimidade com os patriarcas e profetas, que "emprestavam"
a boca para Deus falar. De Moisés se diz que tinha uma grande amizade
com Deus e o Senhor se entretinha com ele face a face. Deus fala!
"Muitas
vezes e de muitos modos, Deus falou outrora aos nossos pais, pelos
profetas. Nestes dias, que são os últimos, falou-nos por meio do Filho, a
quem constituiu herdeiro de todas as coisas e pelo qual também criou o
universo. Ele é o resplendor da glória do Pai, a expressão do seu ser.
Ele sustenta o universo com a sua palavra poderosa. Tendo feito a
purificação dos pecados, sentou-se à direita da majestade divina, nas
alturas, elevado tão acima dos anjos quanto o nome que ele herdou supera
o deles" (Hb 1, 1-4).
"Por estas palavras, a carta aos Hebreus
dá a entender que Deus emudeceu, por assim dizer, e nada mais tem a
falar, pois o que antes dizia em parte aos profetas, agora nos revelou
no todo, dando-nos o Tudo, que é o seu Filho. Se agora, portanto, alguém
quisesse interrogar a Deus, ou pedir-lhe alguma visão ou revelação,
faria injúria a Deus não pondo os olhos totalmente em Cristo, sem querer
outra coisa ou novidade alguma. Deus poderia responder-lhe deste modo:
Este é o meu Filho amado, no qual eu pus todo o meu agrado. Escutai-o!
(Mt 17,5). Já te disse todas as coisas em minha Palavra. Põe os olhos
unicamente nele, pois nele tudo disse e revelei, e encontrarás ainda
mais do que pedes e desejas" (Tratado "A subida do Monte Carmelo", de
São João da Cruz, presbítero, Lib. 2, cap. 22).
A Igreja tem
clara a convicção de que tudo o que é estritamente necessário já foi
dito por Deus e encontra o fundamento de sua ação na Escritura Sagrada.
Sabe também a Igreja que lhe foi dada a graça do discernimento, pela
qual o sadio desdobramento daquilo que foi revelado é expresso nos
ensinamentos que são oferecidos pelo longo e seguro exercício do
magistério que acompanha a tradição viva, na qual existe a certeza da
ação do Espírito Santo, que a acompanha e preserva do erro.
E
Deus se calou? Temos a certeza de que continua a dizer sua Palavra, que
ele inspira o bem, suscita a pregação corajosa do Evangelho, sustenta o
testemunho dos cristãos. Sabemos que todas as chamadas revelações
particulares são objeto de discernimento cuidadoso, pois são
reconhecidas como estímulo à vivência do que se expressou na Sagrada
Escritura, para que as pessoas não corram de um lado para outro em busca
de novidades e pretensos anúncios, especialmente quando estes apontam
para datas ou eventos extraordinários.
O que falta é o
discernimento cotidiano e dedicado do que Deus nos fala através dos
acontecimentos e de uma quantidade imensa de fatos simples e
aparentemente corriqueiros. Deus nos fala através do próximo que grita
pela nossa ajuda e pelo serviço de amor, dizendo que tudo o que fazemos
ao menor dos irmãos é feito a Jesus. Deus nos fala pela última notícia
de violência, que nos assusta e escandaliza, a dizer-nos que nos foi
oferecido o caminho para a paz, através dos mandamentos e a prática da
fraternidade. Deus nos fala pela Igreja que se reúne e proclama a cada
dia a Palavra Sagrada, fonte de vida e santidade. Deus nos fala pelo
testemunho corajoso de pessoas que vivem o Evangelho, arrastando com seu
exemplo gente que vivia na lama do pecado. Deus nos fala através de
seus enviados, e basta pensar na lucidez com que o Papa Francisco tem
oferecido à Igreja e o mundo as propostas de vivência do Evangelho e
amor ao próximo. Não faltam palavras vindas da boca de Deus. O que pode
faltar são ouvidos atentos.
A Igreja celebra neste final de
semana o Batismo de Jesus, quando o Senhor vai ao Rio Jordão, onde João
Batista pregava a penitência e a conversão, justamente na preparação da
plena manifestação do Messias esperado. Diante de um João Batista
surpreso, que diz "Eu preciso ser batizado por ti, e tu vens a mim" (Mt
3,13-17), Jesus entra na fila dos pecadores, ele que é o Cordeiro sem
mancha que tira o pecado do mundo! E ali, no gesto de imensa humildade
de Jesus, acontece a revelação da intimidade de Deus Trindade. O Filho
nas águas, o Espírito em forma de uma pomba e a voz do Pai: "Este é o
meu Filho amado, no qual eu pus o meu agrado".
O Senhor Jesus
confiou uma missão à Igreja, de ir pelo mundo inteiro e anunciar a
Boa-Nova. "Quem crer e for batizado será salvo. Quem não crer será
condenado" (Mc 16,16). Prometeu inclusive "sinais que acompanharão
aqueles que crerem: expulsarão demônios em meu nome; falarão novas
línguas; se pegarem em serpentes e beberem veneno mortal, não lhes fará
mal algum; e quando impuserem as mãos sobre os doentes, estes ficarão
curados" (Mc 16,17-18). O mesmo Senhor Jesus, que falou com seus
discípulos, "foi elevado ao céu e sentou-se à direita de Deus" (Mc
16,19).
Como os primeiros discípulos, está agora em nossas mãos o
anúncio da Boa-Nova. Pedimos a Deus que se multipliquem os operários
para a sua messe, vindos de todas os cantos, dispostos a transformar sua
vida e sua palavra em testemunho corajoso do Senhor, diante de um mundo
que anseia pela palavra de Deus. De fato, a sede e fome da voz de Deus
está presente, mesmo quando as pessoas não sabem dar nome ao grito que
brota de dentro de si, no cumprimento da palavra profética: "Dias hão de
vir, quando hei de mandar à terra uma fome, que não será fome de pão
nem sede de água, e sim de ouvir a Palavra do Senhor" (Am 8,11).
Dom Alberto Taveira Corrêa
Arcebispo de Belém (PA)
Nenhum comentário:
Postar um comentário