A radical transformação do mundo atual parece ter deixado na sombra o
sentido da vida, porque se tornou incapaz de escutar “a voz do
silêncio suave” (1Rs 19,12), que ressoa das profundezas da história.
Daí decorre a dificuldade radical de enxergar qualquer outra dimensão
da realidade que esteja acima ou por dentro da experiência humana. Não
é mais capaz de ler os sinais da presença de Deus na história, dando a
impressão de que a realidade seja algo inconsistente e sem valor, e
que, no fim das contas, a história humana não passa de uma tremenda
ilusão. No entanto, olhando mais em profundidade, a experiência da
tristeza e da angústia e a agitação da vida moderna, tão repleta de
conflitos, exprimem uma exigência de sentido e um desejo de serenidade
e de paz. O episódio evangélico da Transfiguração (Mt 17,1-9) revela
exatamente esta dimensão e pode ser um autêntico sinal de esperança
também para o nosso tempo. Não se trata simplesmente de um “olhar”
diferente do jeito comum de considerar as coisas, mas está em jogo uma
“visão penetrante” de algo que pode mudar radicalmente a vida e o seu
sentido.
A partir das manifestações divinas do Antigo Testamento, Mateus apresenta uma cena repleta de luz:
-
o rosto de Jesus resplandece como o sol, suas vestes são brancas como
a luz, a nuvem também é luminosa. Os discípulos, diante de tão
intensa luminosidade, caem com o rosto no chão, assustados, e
necessitam do “toque e da palavra” de Jesus para se levantarem e
superarem o susto. Contudo, após esta experiência que mostrou a
identidade de Jesus, os discípulos, “levantando seus olhos não viram
ninguém a não ser ele, Jesus só” (v.8). Na realidade, é este “Jesus
só” que está a caminho de Jerusalém, que eles devem encarar, escutar e
seguir.
A visão luminosa da transfiguração é reforçada também pelos personagens que entraram em cena:
-
quando Moisés desceu do monte Sinai “seu rosto resplandecia” (Ex
34,29s); Elias foi arrebatado ao céu num “turbilhão de fogo” (2Rs
2,11; Sir 48,1-11). A partir da luminosidade que vem do Sinai, Mateus
mostra que se trata de um evento central no seu evangelho, porque a
missão que Jesus assumiu no batismo se concretiza agora ao longo do
caminho da cruz, deixando vislumbrar a meta final: a glória do Filho
de Deus.
É um momento decisivo muito forte:
- o rosto
luminoso de Jesus revela a sua verdadeira identidade aos discípulos
para que, depois da ressurreição, possam entender que o rosto
resplandecente do Ressuscitado é o mesmo do Jesus Crucificado. Com
efeito, somente à luz da Páscoa eles entendem quem é realmente Jesus e
o sentido de sua morte violenta. Assim como o sol é a fonte da luz e
“faz ver” as coisas como elas são, a luz da transfiguração de Jesus
“faz ver” a sua identidade messiânica: revela a divindade em sua
humanidade. Aqui os discípulos ouvem a voz de Deus chamando Jesus de
“Filho”, e, durante a paixão, ouvem Jesus chamando a Deus de “Pai”
(26,39). Neste monte, a humanidade de Jesus deixa transparecer a sua
divindade e, no Getsêmani, a divindade assume plenamente a sua
humanidade.
Dessa forma, o convite do Pai: - “escutai-o” determina a missão dos discípulos:
-
devem ser testemunhas da ressurreição de Jesus, enfrentando o mesmo
caminho do Filho, que, passando pela cruz, leva à gloria dos filhos de
Deus. A partir desse momento, o Evangelho não é só Palavra a ser
ouvida, mas também caminho a ser percorrido, pois o “seguimento” de
Jesus, assumido de forma autêntica e vivido até as últimas
conseqüências, mostra uma outra visão da realidade. “O que os olhos
não viram e os ouvidos não ouviram” (1Cor 2,9), nem Moisés (Ex 33,20),
nem Elias (1Rs 19,13) viram, mas aos discípulos é concedido ver “face
a face” o rosto de Deus, que resplandece em Jesus de Nazaré.
Autor: Sérgio Bradanini
www.pime.org.br
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