O juiz Márlon Reis diz que o movimento não acredita na via
parlamentar, por isso está tentando emplacar uma proposta de iniciativa
popular
Foto: LUCAS DE MENEZES
Descrente na vontade política do Congresso, movimento quer aprovar um projeto advindo da sociedade
Com a proposta de reforma política enterrada pelo Congresso Nacional e diante da impossibilidade de se aprovarem mudanças eleitorais que vigorem já neste ano, instituições e movimentos da sociedade civil que apoiaram a aprovação da Lei da Ficha Limpa, sancionada em 2010, insistem em emplacar uma reforma política no País, mesmo que só para 2016. Entretanto, a mobilização por assinaturas - são necessárias 1,5 milhão - esbarra na complexidade do projeto, que, embora compacto, abre divergências em diversos setores.
A Coalizão pela Reforma Política Democrática e Eleições Limpas está sendo puxada pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), mas tem apoio de dezenas de entidades, como a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e a Associação Brasileira de Imprensa (ABI). A iniciativa surgiu do pressuposto de que não há interesse do parlamento brasileiro em discutir e votar mudanças no sistema político. Dessa forma, a única saída seria pressionar o Congresso com uma proposta de iniciativa popular, apesar da dificuldade de tramitação dessas matérias.
O juiz de Direito Márlon Reis, que atua no Maranhão e é um dos idealizadores do movimento, ressalta que os apoiadores estão coletando assinaturas, mas reconhece que há entraves por conta dos meandros do projeto. "É mais complexo do que a Ficha Limpa. A conquista de uma lei de iniciativa popular não depende só de assinaturas, especialmente em um tema tão árido para os parlamentares", afirma.
Com o objetivo de compactar a proposta, a Coalizão pela Reforma Política Democrática versa sobre apenas três itens: proibição de doações de empresas a campanhas políticas, eleição parlamentar em dois turnos e a ampliação da liberdade de expressão, em especial na Internet.
O magistrado Márlon Reis destaca que o recolhimento de apoiamentos à Lei da Ficha Limpa durou aproximadamente um ano e nove meses e justifica que o processo só teve mais visibilidade na imprensa e no Congresso depois que o grupo conseguiu as assinaturas necessárias. "Isso tudo tem um tempo. A gente aprendeu isso com a Ficha Limpa", diz o juiz, que também foi um dos fundadores do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral.
Descrédito
Márlon Reis relata que a pressão das entidades nasceu do descrédito em relação ao Legislativo. "Há um interesse político de não fazer (a reforma política). Um deputado me disse que não há impasse para a reforma política, mas existe uma decisão da maioria de que está bom como está". E pontua: "A Ficha Limpa só passou porque se transformou em iniciativa popular. Não acreditamos na via direta parlamentar".
Sobre os protestos que ocorreram em junho do ano passado, na Copa das Confederações, e devem se repetir neste ano, durante a Copa do Mundo, ele opina: "Acredito que essas manifestações serviram para mostrar aumento de inconformidade da população e demonstram que muitas coisas estão desgastadas".
O presidente da OAB do Ceará, Valdetário Monteiro, diz que há "resistência do poder" em aprovar mudanças no sistema político. "Falou-se muito em reforma política, mas na hora de materializar, há resistência. Um ponto importante da reforma da OAB é a mudança no sistema de doações (às campanhas)", diz.
Valdetário ressalta que o movimento só conseguiu 200 mil assinaturas no Brasil, sendo 25 mil no Ceará. Apesar da distância que separa da meta de 1,5 milhão de apoios, ele diz que a Coalizão vai intensificar a coleta até agosto para que a meta seja alcançada. Pelas regras eleitorais, uma proposta deve ser aprovada no mínimo um ano antes para que vigore no pleito. Como faltam sete meses para as eleições - que ocorrem em 5 de outubro - as mudanças só poderão alcançar o pleito de 2016.
Para o presidente da OAB no Ceará, a quantidade pequena de assinaturas em relação ao número esperado não simboliza enfraquecimento da Ordem na sociedade. "Na Ficha Limpa, era só uma proposta. Aqui é um complexo de medidas que as pessoas precisam entender para difundir", defende. Ele pontua que as mudanças propostas alteram a legislação eleitoral, mas não a Constituição Federal.
Representatividade
O cientista político Clésio Arruda explica que os projetos de iniciativa popular enfrentam a barreira da participação e da perda de representatividade das instituições. "Esse ano é atípico, as propostas dos movimentos sociais estão difusas, há perda de identidade de instituições já tradicionais com os movimentos que surgem nas ruas", alerta.
Apesar dos percalços, ele aponta que os impasses não impedem a tramitação do projeto. "Não significa que os entraves inviabilizem um debate político mais qualificado". Ele enfatiza a resistência da classe política em aprovar mudanças que ameacem a comodidade da categoria. "Todos que estão no parlamento alçaram suas cadeiras com as regras que estão aí", resume.
Clésio Arruda opina que, apesar de compacto, o projeto da Coalizão pela Reforma Política Democrática aborda pontos significativos. "Isso gera uma mudança no comportamento do eleitor. A mudança no financiamento de campanha traz outra questão que é fundamental: a igualdade de condução do processo eleitoral", pontua.
SAIBA MAIS
Financiamento
A proposta de Reforma Política Democrática exclui o financiamento de empresas às campanhas eleitorais, justificando que o gestor já inicia o mandato comprometido com interesses de empresários
Liberdade de expressão
Outra sugestão é ampliar a liberdade de expressão dos cidadãos e da imprensa. O argumento é que, hoje, ela é "cerceada por leis retrógradas que permitem até que internautas sejam multados por haverem emitido opiniões de natureza crítica"
Dois turnos
Um dos pontos define dois turnos para as eleições parlamentares. Primeiro o eleitor vota no partido. Em seguida, escolhe um candidato da lista da legenda. A proposta se é intermediária entre a lista fechada e o voto direto no candidato
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