Muitas vezes temos diante de nossos olhos bulas de remédios, outras são
as longas orientações anexas aos muitos aparelhos eletrônicos. Nem
sempre lemos tudo isso, ainda que saibamos o quanto são úteis para nossa
vida. Os eventuais efeitos secundários de medicamentos usados
indevidamente podem trazer consequências graves, e o desconhecimento de
possibilidades oferecidas pelos recursos tecnológicos limita o pleno
aproveitamento dos mesmos. Quanto à saúde não são supérfluas ou
indiferentes às prescrições constantes nas receitas médicas.
E a
vida cristã comporta receitas? É possível encontrar um tipo de manual,
com o qual caminhar com mais segurança na estrada da perfeição cristã? O
Senhor põe à nossa disposição prescrições destinadas à nossa saúde
espiritual? Para responder a esta pergunta, é bom lembrar-nos que, ao
criar-nos com o precioso dom da liberdade, Deus quis assentar-se conosco
à mesa da vida (Cf. Ap 3,20), para que acolhamos seu convite e abramos a
porta do coração. Como somos obra prima de sua criação, é claro que Ele
oferece o que existe de melhor para os que são feitos filhos e filhas. O
ponto de partida para a viagem da vida é que Deus nos leva a sério e
nos fez livres, para sermos felizes, como Deus é feliz.
O
Catecismo da Igreja Católica começa com a feliz constatação de que o ser
humano é "capaz de Deus" (Cf. números 27-35). De fato, "Deus não cessa
de atrair o homem para si e só em Deus é que o homem encontra a verdade e
a felicidade que procura sem descanso". Através dos múltiplos sinais,
começando pela sede de infinito existente no coração humano, o Senhor
atrai para perto de si os homens e mulheres de todos os tempos, o que se
torna fonte de alegria para todos. Vale a pena conhecer a busca
incessante existente no coração das pessoas inquietas, que querem saber
mais, conhecer, descobrir estradas novas!
Quando a Sagrada
Escritura relata a entrega dos mandamentos ao Povo de Deus (Lv
19,1-2.17-18), inclui um convite provocante: "O Senhor disse a Moisés:
Dirás a toda a assembleia de Israel o seguinte: 'sede santos, porque eu,
o Senhor, vosso Deus, sou santo". Quando a Igreja se prepara para a
canonização de dois Papas de nosso tempo, João XXIII e João Paulo II,
faz muito bem saber que é possível percorrer o caminho da santidade.
Mais ainda, é bom saber que é o melhor para todos. Não fomos feitos para
chafurdar-nos na lama do pecado e do egoísmo, mas para a felicidade, a
comunhão com Deus e uns com os outros. São Paulo (Cf. 1 Cor 3,16-23) usa
uma feliz expressão, com a qual se identifica a presença contínua de
Deus em nossa vida: "Não sabeis que sois o templo de Deus, e que o
Espírito de Deus habita em vós?" Não dá para fugir! Como Deus não tem
duas palavras, Ele está sempre perto de nós e, de sua parte, vai sempre
insistir em que respondamos ao seu amor. Primeiro item de nossa
"receita": é possível caminhar na direção da perfeição e esta se chama
santidade!
Para alcançá-la, não se trata de fazer um
caminho de heroísmo individual, mas de guardar a Palavra de Deus. De
fato, é perfeito o amor de Deus em quem guarda sua palavra (Cf. 1Jo
2,5). Manter um diálogo constante com Deus, escutar sua Palavra que se
encontra na Escritura e sua voz presente no grande Livro que é a vida!
Para ser santos, antenas do coração e da inteligência ligadas nos
grandes sinais de Deus.
E a Palavra do Evangelho (Mt 5,38-48), no
Sermão da Montanha, desdobra um verdadeiro mapa da estrada da
santidade, com itens extremamente práticos. Trata-se de seguir as
orientações! Ao encontrar-nos em situações desafiadoras, não resistir ao
mau, oferecer a outra face, ou a túnica, quem sabe mais mil passos, ou
não fugir de quem pede dinheiro emprestado, amar os inimigos, fazer o
bem aos que nos odeiam, orar pelos que nos perseguem. É natural nossa
reação: seremos inativos ou tolos diante de quem nos agride? Trata-se,
sim, de acreditar na força da não-violência, escolher os verdadeiros
caminhos alternativos, com os quais se desmonta a trama da maldade. A
paciência diante das agressões, a opção pela escuta dos que pensam de
modo diferente, enxergar o lado das outras pessoas nas questões mais
delicadas, exige muito mais força e coragem do que quebrar e destruir
tudo que estiver à nossa volta.
Jesus sabia muito bem quais
seriam as reações ao seu discurso e que estas ressoariam através dos
séculos no interior das pessoas. Por isso mesmo, ofereceu o modelo para
este novo modo de encarar a vida. Trata-se de olhar para o Pai do Céu, e
basta ver o sol ou a chuva, que servem a bons e maus, justos e
injustos! Estupenda e desafiadora simplicidade! Pagar o mal com o mal
não é novidade. É fácil! "Se saudais apenas vossos irmãos, que fazeis de
extraordinário? Não fazem isto também os pagãos?" (Mt 5, 47).
Revolucionário é trazer para a terra o modo de viver que é próprio de
Deus. Perfeição é uma ação do próprio Deus no coração do discípulo.
Maior a docilidade, mais o Espírito Santo poderá agir em nós.
A
proposta do Evangelho é de grande atualidade, pois nos possibilita
criar, num mundo agressivo e violento, bolsões de vida mais digna e
respeitosa. As famílias e as comunidades cristãs podem começar a ser
diferentes. O exercício da gratuidade no relacionamento, a capacidade de
gastar tempo para ouvir as pessoas, o cultivo de valores, como a
simplicidade no trato ou a civilidade de novo cultivada. De forma muito
prática, os cristãos exercitarão e ajudarão muitas outras pessoas a
descobrirem que na vida social não se pode apenas e tão somente exigir
direitos, mas há deveres a serem cumpridos e com os quais construímos a
civilização. Se não nos cuidarmos, há um risco de verdadeira barbárie
bem perto de nós, mas se começarmos a caminhar contra a correnteza do
egoísmo, a mudança já começou, e para melhor.
Basta olhar ao
nosso redor. Pode começar com o cumprimento mais polido aos vizinhos,
para alcançar o cuidado dos estudantes com as carteiras escolares, ou as
lixeiras conservadas e utilizadas em nossos espaços públicos, a
superação da agressividade no trânsito e daí por diante!
A casa
que é a Igreja será o lugar da formação e do intercâmbio de
experiências, onde as pessoas são chamadas a compartilhar suas
experiências de vida, alimentar-se do próprio Deus e rezar umas pelas
outras. Como sabemos muito bem de nossas limitações, peçamos ao próprio
Pai do Céu que nos ajude: "Concedei-nos, ó Deus todo-poderoso, que,
procurando conhecer o que é reto, realizemos vossa vontade em nossas
palavras e ações".
Dom Alberto Taveira Corrêa
Arcebispo Metropolitano de Belém do Pará
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