quinta-feira, 25 de julho de 2013

Pontífice ataca idolatria ao poder e reforça sua devoção a Maria

Duzentos mil fiéis estiveram no local para assistir à primeira celebração do papa Francisco no Brasil
Aparecida (SP). Francisco manteve seu sorriso fácil na chegada e na saída do Santuário Nacional de Nossa Senhora Aparecida, mas por duas horas em que celebrou a missa para 15 mil fiéis foi sério e fiel à liturgia. Não acenou, não sorriu, não esboçou qualquer gracejo e, na homilia, enviou um recado aos jovens católicos ao atacar a idolatria do poder e do dinheiro. Fora da basílica, prometeu voltar em 2017, para comemorar os 300 anos de encontro da padroeira.

Francisco promete voltar em 2017 para comemorar os 300 anos de encontro da padroeira FOTO: REUTERS

Um pouco antes da celebração, o papa Francisco se recolheu, por alguns minutos, na Capela dos 12 Apóstolos, no segundo andar da Basílica. O papa prostrou-se diante da imagem da Virgem, olhou-a sem pressa, e disse sem erguer o tom de voz: "Mãe Aparecida, como Vós um dia, assim me sinto hoje diante do vosso e do meu Deus, que nos propõe para a vida uma missão cujos contornos e limites desconhecemos, cujas exigências apenas vislumbramos", rezou.

Discurso

Na missa, o santo padre deixou claro que sua gestão na Igreja tem por objetivo dar à religião posição de destaque na sociedade atual. "Hoje, mais ou menos todas as pessoas, e também os nossos jovens, experimentam o fascínio de tantos ídolos que se colocam no lugar de Deus e parecem dar esperança: o dinheiro, o poder, o sucesso, o prazer", criticou. Para vaticanistas ouvidos pela reportagem, o discurso e o script seguido à risca mostram que o papa, além de popular e sedutor por seus gestos, não vai reformar pilares da Igreja ou abandonar dogmas e posições tradicionais.

Firme no protagonismo da Igreja na sociedade atual, o pontífice disse que "frequentemente uma sensação de solidão e de vazio entra no coração de muitos e conduz à busca de compensações, destes ídolos passageiros". O papa Francisco conclamou os fiéis a serem "luzeiros da esperança" e focou a maior parte da sua mensagem nas novas gerações. "Os jovens não precisam apenas de coisas, precisam que lhes sejam propostos aqueles valores imateriais que são o coração espiritual de um povo, a memória de um povo".

O arcebispo de Aparecida (SP), dom Raymundo Damasceno, que acompanhou o papa Francisco na visita à cidade paulista, considerou o número de romeiros presentes na missa de ontem superior à expectativa inicial. O cardeal estima em mais de 200 mil o total de fiéis que presenciaram a cerimônia no Santuário de Nossa Senhora Aparecida. O esperado, segundo ele, era um público semelhante ao da visita de Bento XVI, em 2007, quando 150 mil pessoas assistiram à missa. A Secretaria de Transportes municipal previa um público entre 200 mil e 250 mil pessoas.

"As pessoas ficaram no frio, mas não desistiram. Ele soube que pessoas passaram a noite no frio para vê-lo e se emocionou com o carinho delas", afirmou.

Homilia

O americano John Allen, um dos principais vaticanistas, afirma que há mudança formal de discurso de Francisco. "Agora, temos um papa que fala constantemente dos pobres e apenas raramente de outros temas. A mudança é apenas na ênfase, não na substância", disse. "O que parece ser novo é o acento. As pessoas estavam acostumadas a ouvir papa falar muito de aborto e casamento gay e apenas raramente sobre a justiça social". "A mensagem é teologicamente forte e coerente com os ensinamentos da Igreja", diz o vaticanista italiano Andrea Tornielli.

Popular

Logo ao término da missa foi possível se perceber esse comportamento popular de Francisco. Assim que apareceu na Tribuna Bento XVI, na Basílica, para abençoar os fiéis que assistiram à celebração por telões, o papa era outro homem: o piadista.

Ele brincou que falaria em espanhol porque não sabia "falar brasileiro". "Puede uma madre se olvidar de su hijo?", perguntou em espanhol aos fiéis. A resposta "não" do público confirmou que estava sendo compreendido. Seguiu o discurso ovacionado e prometeu voltar daqui a quatro anos.

O papa lembrou ainda que havia estado em Aparecida em 2007, quando foi responsável por redigir o texto final da Conferência Geral do Conselho Episcopal Latino-Americano (Celam) e reafirmou que a visita a Aparecida foi um pedido seu. "Eu quis vir aqui para suplicar à Maria o bom êxito da Jornada Mundial da Juventude e colocar a seus pés a vida do povo latino-americano", afirmou.

O santuário em Aparecida é visitado anualmente por mais de 10 milhões de fiéis brasileiros. Os papas João Paulo 2o e Bento 16 também estiveram no santuário para venerar uma pequena imagem da Virgem Maria que, segundo a tradição, foi encontrada no século 18 por pescadores.

Liberalização das drogas é criticada

Rio de Janeiro. Na visita ao Hospital São Francisco de Assis, na zona norte do Rio, o papa Francisco atacou os projetos de liberalização das drogas na América Latina e acusou traficantes de serem os "mercadores da morte". Na primeira vez que fala publicamente sobre o problema das drogas desde o início de seu pontificado, o argentino deu as primeiras indicações de que, se seus gestos são novos e sua simpatia o transformou em um ícone global, ele não está disposto a mudar posições tradicionais da Igreja. A crítica à liberalização das drogas ocorreu enquanto visitava o hospital, que atende dependentes de drogas, e depois da reunião com cinco pacientes.

O papa durante a chegada ao Hospital São Francisco de Assis, onde uma multidão o esperava. Ele acusou traficantes de serem "mercadores da morte" FOTO: REUTERS
"Não é deixando livre o uso de drogas, como se discute em várias partes da América Latina, que se conseguirá reduzir a difusão e a influência da dependência química", declarou. Para ele, a solução não vem da liberalização, mas de uma estratégia para "enfrentar os problemas que estão na raiz do uso das drogas, promovendo uma maior justiça, educando os jovens para os valores que constroem a vida comum, acompanhando quem está em dificuldade e dando esperança ao futuro". E atacou também o narcotráfico. "São tantos os ´mercadores da morte´ que seguem a lógica do poder e do dinheiro a todo custo. "A chaga do tráfico de drogas, que favorece a violência e que semeia a dor e a morte, exige da sociedade inteira um ato de coragem".

O papa Francisco ainda atacou o egoísmo da sociedade por não dar atenção suficiente aos dependentes de drogas. "Precisamos abraçar quem tem necessidade", disse. "Há tantas situações no Brasil e no mundo que reclamam a nossa atenção, cuidado, amor, como a luta contra a dependência química", declarou. "Frequentemente, porém, nas nossas sociedades, o que prevalece é o egoísmo", afirmou.

Os momentos mais emocionantes foram os relatos de dois ex-usuários de drogas submetidos a tratamento pelo Programa de Assistência a Dependentes da arquidiocese. Um deles disse que passou 17 anos se drogando, mas há 11 anos está livre do vício. O outro declarou que parou há pouco mais de um ano. Os dois ganharam presentes e foram abraçados pelo papa.

Paes admite falha do poder público
Rio de Janeiro. O prefeito do Rio, Eduardo Paes (PMDB), admitiu que houve falha do poder público na segurança do papa Francisco, no primeiro dia de visita do pontífice à cidade, na tarde da última segunda-feira.

A declaração foi dada na tarde de ontem durante coletiva de imprensa no Forte de Copacabana, zona sul carioca. Na ocasião, o carro que transportava o papa ficou encurralado na avenida Presidente Vargas, principal via do Centro do Rio, entre uma multidão de peregrinos e uma fileira de ônibus.

O veículo chegou a parar por alguns instantes até que a pista fosse liberada para passagem do pontífice, que insistia em acenar ao público com a janela aberta - contrariando os seguranças.

"Sobre o episódio da Presidente Vargas, uma responsabilidade é nossa. Não tem jogo de empurra aqui. A gente realizou um trabalho em conjunto. Graças a Deus não aconteceu nada, mas houve uma falha nossa, do poder público. Não convém apontar dedo. Vamos impedir que isso aconteça de novo", contou o prefeito do Rio.

A Polícia Federal não quis se pronunciar sobre o episódio. O carro do pontífice era guiado por um agente do serviço de inteligência da PF.

Transporte

Após uma série de falhas no transporte público durante a abertura da Jornada a Prefeitura e o governo do Estado se articularam para evitar um caos. O metrô, que sofreu pane elétrica e ficou parado por duas horas no dia 23, funcionará durante 24 horas de hoje até segunda-feira. Haverá eventos em Copacabana (zona sul) hoje e sexta. Para cada dia está prevista a presença de 1,5 milhão de pessoas.



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