O Santo Padre falou sobre os recentes protestos no País e pediu que os mais ricos sejam solidários
Rio de Janeiro.
Em visita à comunidade de Varginha, uma das menores do Rio, com 400
famílias, o papa Francisco passou uma mensagem aos políticos: só
pacificar as comunidades pobres, sem atacar o problema principal, isto
é, "o abandono da periferia", não será "duradouro". O local integra o
complexo de favelas de Manguinhos.
Com colar nas cores do Brasil, Francisco cumprimenta moradores de Varginha
FOTO: FOLHAPRESS
Depois
de afirmar que queria encorajar os esforços que a sociedade brasileira
tem feito para combater a fome e a miséria, o papa declarou: "Nenhum
esforço de pacificação será duradouro, não haverá harmonia e felicidade
para uma sociedade que ignora, que deixa à margem, que abandona na
periferia parte de si mesma".
O papa aproveitou a visita para
fazer um dos seus discursos mais enfáticos e informais até agora, num
esforço para se aproximar dos moradores presentes na cerimônia. O
pontífice fez referência aos recentes protestos no Brasil e pediu que os
mais ricos e os políticos sejam menos egoístas e mais solidários. O
pontífice chegou ao local ao final da manhã no papamóvel aberto, sem
blindagem, conforme a sua opção, e parou diversas vezes para crianças e
saudar fiéis.
Francisco se dirigiu às autoridades e aos mais
ricos. "Queria lançar um apelo a todos que possuem mais recursos, às
autoridades e a todas as pessoas de boa vontade comprometidas com a
justiça social: não se cansem de trabalhar para um mundo mais justo e
solidário! Ninguém pode permanecer insensível às desigualdades no
mundo".
Diante
de uma plateia que tentava se proteger da chuva, Francisco disse que
era bom ser acolhido com amor e generosidade FOTO: AGÊNCIA BRASIL
O
papa disse ainda que a cultura do egoísmo, do individualismo não
constrói e não conduz a um mundo mais habitável, mas sim a cultura da
solidariedade.
Água no feijão
No discurso
feito na comunidade da zona norte do Rio, o papa Francisco, pela
primeira vez, fez improvisos. Pelo menos seis vezes ele acrescentou
trechos que não estavam na versão oficial. O primeiro improviso foi uma
brincadeira com o público. O papa declarou ser muito bom ser acolhido
"com amor, generosidade e alegria na comunidade". Ele dizia que gostaria
de bater em cada uma das portas para tomar um "cafezinho". "Não um copo
de cachaça", brincou o papa provocando risadas.
Em seguida,
quando referiu-se à expressão "colocar mais água no feijão", ele
dirigiu-se à plateia. "Se pode colocar mais água no feijão? Sempre".
Depois, no trecho em que falava sobre solidariedade, ele acrescentou que
a palavra "quase parece um palavrão".
Cerca de 600 PMs cuidaram
da segurança do papa junto com 80 agentes federais, além de militares do
Exército, na favela da Varginha, em Manguinhos. Homens do Batalhão de
Operações Especiais (Bope) e do Batalhão de Choque (BPChoq) fizeram o
cerco à comunidade. No interior, havia 400 PMs de UPPs de Manguinhos e
de outras favelas como o Complexo do Alemão.
Por onde o pontífice
passava, foram instaladas grades de ferro. Só pessoas credenciadas e
deficientes físicos selecionados foram autorizados a ficar no perímetro
de segurança. Os moradores só puderam ficar por trás das grades ou das
lajes das casas. A primeira parada do papa foi na Igreja de São
Jerônimo, onde a Polícia Federal e militares das Forças Especiais do
Exército fizeram uma varredura à procura de artefatos explosivos, mas
nada foi encontrado.
Fiel
é abençoada durante visita do papa Francisco à Capela de São Jerônimo,
na comunidade localizada na zona norte do Rio FOTO: REUTERS
Emocionada,
a manicure Cintia da Silva Souza, 26, conta como sua tia esticou o
braço para que o segurança alcançasse sua filha, Camyla, de oito meses.
"Eu fiquei tão emocionada que não consegui bater a foto dele beijando
minha filha. Por sorte, uma amiga fez um vídeo com o celular. É um
momento que ficará marcado na minha vida". O papa chegou a ensaiar um
ingresso por diversas residências e, quando entrou, passou quase dez
minutos dentro da casa. Depois de receber de crianças um cachecol do San
Lorenzo, time para qual torce, foi ao campo de futebol para fazer um
discurso. Antes, um líder religioso abriu o evento chamando-o de "pai
Francisco".
O papa fez referência às Unidades de Polícia
Pacificadora (UPPs) dizendo que a pacificação não será permanente em uma
sociedade que abandona na periferia parte de si mesma e pediu aos
jovens para que não desistam de lutar contra a corrupção. Centenas de
fiéis se espalharam pelo campo de futebol e por lajes de casas próximas.
Alguns moradores chegaram a cobrar pela vista privilegiada.
A
escolha de Varginha, uma comunidade situada em um bolsão de pobreza,
dentro de um território castigado por confrontos armados, atendeu a uma
orientação do próprio papa Francisco, que determinou a inclusão de
encontros com a parcela excluída da população em sua passagem pelo Rio.
Quatro horas antes da visita à Favela da Varginha, militares da Marinha e
agentes da Polícia Federal realizaram varreduras em todas as casas que
poderiam ser visitadas pelo pontífice.
Os fuzileiros navais eram
os responsáveis por procurar artefatos químicos, biológicos,
radiológicos e nucleares. Já os policiais federais estavam em busca de
explosivos.
Proximidade com pontífice alegra moradores do local
Rio de Janeiro.
A pequena comunidade da zona norte da capital fluminense, que abriga
muitos nordestinos, viveu um dia especial ontem graças à presença do
visitante que representa a autoridade maior da Igreja Católica.
Comunidade aguarda a passagem de Francisco pelas ruas da zona norte da cidade FOTO: REUTERS
Com
ruas que acabaram de ser asfaltadas e árvores podadas para a ocasião,
milhares de pessoas se aglomeraram para ver o papa Francisco passar:
câmeras e celulares estavam preparados e misturavam-se ao pranto e à
emoção que tomaram conta do lugar. Moradores chegaram a alugar lajes com
visão privilegiada por R$ 1 mil.
Na noite de quarta-feira a
Polícia já se precavia de possíveis incidentes e colocou dois seguranças
na porta de cada uma das sete residências cotadas para receber a visita
do pontífice. A notícia dada às oito horas da noite de quarta-feira
deixou a equipe enviada pelo Sistema Verdes Mares entristecida.
Apesar
de haver sido acertado com dona Amara Marinho de Oliveira, personagem
que ilustrou a matéria publicada ontem, que o grupo de profissionais
dormiria na casa dela, isso não seria mais possível. O objetivo era
ficar mais perto do pontífice, mas o lar da pernambucana de 82 anos era
um dos que estavam na lista de organizadores da passagem do pontífice
pelo local.
O papamóvel não percorreu a rua Leopoldo Bulhões em
marcha lenta, mas na velocidade necessária para que todos recebessem o
aceno de Francisco. Após a ida à capelinha de São Gerônimo Emiliani,
onde fez a bênção do altar, viria o anúncio da única casa que o
receberia.
O papa não visitou o lar de dona Amara, que passou
mal. Mas beijou a mão dela. A emoção foi tão grande que a pressão
arterial subiu. Depois de ter sido levada ao hospital, ela passa bem,
segundo moradores. "Para mim, é um remédio espiritual, me sinto outra
pessoa", disse.
Após a passagem rápida, o papa seguiu para o
campo de futebol, onde falou para os fiéis e partiu em carro fechado
deixando para integrantes da comunidade um dia memorável.
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