A deterioração da igreja matriz São José de Ribamar - localizada em Aquiraz, litoral Leste do Ceará e distante 30 km de Fortaleza - é um exemplo do descaso do poder público com a conservação e a preservação patrimonial. A capela- mor abriga 12 pinturas em óleo sobre madeira retratando a vida de São José, nto, que passam por restauração. No entanto, uma visita pelo interior da templo, tombado em 1983, para perceber que a edificação necessita de uma reforma geral e urgente.

O arquiteto da Superintendência do Iphan no Ceará, Francisco Veloso, arbitra que 85% dos trabalhos de restauração dos painéis estejam prontos, arriscando marcar para meados de outubro a entrega da capela-mor à comunidade.
Antes do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) iniciar a restauração dos 12 painéis, que deveriam ser entregues à população, no dia 15 de agosto, quando será celebrada a festa pelos 300 anos de criação da paróquia, foi necessário recuperar o telhado, que custou R$ 52 mil - recurso doado pela comunidade. A troca do entelhamento, no entanto, provocou infiltrações que serviram para desnivelar os painéis, causando mais prejuízo à obra. Mais uma vez, pode-se observar que tombar não garante a preservação e conservação de um bem cultural.
No momento, os trabalhos de restauração dos painéis estão suspensos em função de uma licença do Hélio de Oliveira, especialista em conservação e restauração de bens culturais móveis do Instituto do Homem Missioneiro Potiguar. Por ordem médica, o restaurador está impossibilitado de seguir com o trabalho. Algumas peças estão sendo recuperadas no ateliê do Instituto, no Rio Grande do Norte. "Os painéis foram todos limpos", assegura, completando que falta pouco para o fim da restauração.
Francisco Veloso admite: "Nosso acervo de bens culturais precisa ser melhor cuidado". Porém, a constatação não fica restrita apenas ao Ceará, muito menos ao Brasil, estendendo-se ao mundo. Há uma grande quantidade de bens, mesmo considerados como patrimônio da humanidade, estão em péssimas condições de conservação.

Percalços
Com relação projeto de restauro dos painéis de Aquiraz, o arquiteto revela que foram registrados alguns percalços que impediram a execução do seu cronograma. Trata-se de iniciativa do Iphan, que começou em 2011, sendo transformado em projeto no ano passado, quando foi enviado para análise e aprovação, em Brasília. "A obra começou a ser executada em dezembro", diz, informando que consiste em restauro do forro da capela-mor e também de peças, que foram enviadas para o laboratório de restauração, no Rio Grande do Norte. "Foi preciso refazer a coberta da capela-mor, sendo retirado o telhado e feita a limpeza na calha de águas pluviais", explica Veloso.
Os trabalhos foram realizados em dois momentos. Primeiro, a pintura dos painéis sobre o próprio forro, atividade feita "in loco". Segundo, as peças afixadas ao forro tiveram de ser removidas e levadas ao laboratório do chefe da equipe que realiza a restauração, Hélio de Oliveira, no Rio Grande do Norte. O restaurador afirma que o espaço no teto da capela-mor comporta de três a quatro pessoas, fazendo com que a equipe de trabalho seja pequena. "É um trabalho criterioso o de refazer uma obra", justifica o restaurador, enquanto aproveita para elogiar a Igreja de São José do Ribamar. "É muito bonita e singular", diz, atentando para o arco e o cruzeiro em pedra, além da fachada.
Não é por ser simples que não seja bela, argumenta. A Igreja remonta ao aldeamento do século XVIII, que deu origem ao município de Aquiraz. O restaurador consegue enxergar traços barrocos na obra, exemplificando pelos caixotões, molduras usadas no fim do século XVIII. "A intenção é o que vale", diz, fazendo alusão à simplicidade na execução da obra.
Na época, era comum a confecção de obras por carpinteiros, entalhadores. O historiador chama a atenção para os aspectos "estético e formal" de obras produzidas no período, informando que, nem sempre, tinham grande apuro. Muitas vezes, os santos eram toscos, não sendo possível identificar a imagem. "O que valia era a devoção", diz, citando a imagem de N. Sra. Aparecida, padroeira do Brasil, caracterizada mais pelo manto azul escuro e coberto em ouro. "É uma peça em barro escurecido".
De acordo com Francisco Veloso, a igreja matriz de São José do Ribamar, como edificação em si, está precisando de uma intervenção e restauro. Coube ao Ipham o projeto de restauração do foro da capela-mor, revela o arquiteto, lembrando que o bem é de responsabilidade do Estado, tombado pela lei número 16237, de 1983. Destaca a porta em madeira maciça no estilo almofadada, mas que precisa de preenchimento. No interior da Igreja é possível perceber o descaso. Necessita de pintura, reparo no altar, na soleira, e no restante da nave, parte construída após a capela-mor, admite o padre Antônio Robério de Queiroz, há três anos à frente da paróquia. O padre admite que a Igreja está necessitando de uma pintura, mas o Estado não se manifesta. Revela que há dificuldade para conseguir uma audiência com o secretário da Cultura do Estado, Francisco Pinheiro.
300 anos
No dia 15, será comemorado o aniversário de 300 anos da paróquia, construída a partir da presença dos padres jesuítas, no povoado. Em 15 de agosto de 1713 foi instalada a freguesia de São José de Ribamar, considerada a primeira paróquia do Ceará. A data marca a criação da freguesia e não da capela-mor.
São raros os documentos dos primeiros séculos de colonização do Brasil, como atesta a professora Adalgisa Arantes Campos no livro "Arte sacra no Brasil colonial". "A primeira metade do século XVI é bastante obscura pelo pouco que deixou de documentação e de edificações feitas por pequenas comunidades - de portugueses e estrangeiros - que se estabeleceram no litoral, e se relacionaram com as populações autóctones". As informações começam a aparecer a partir da segunda metade do século XVI. "O Quinhentos aparece assim como um período insignificante para as manifestações artísticas e culturais duradouras decorrentes da presença dos portugueses".
O padre informa, ainda, que a história de Aquiraz é marcada pela oralidade e lendas. Uma das principais, o registro da imagem de São José de Ribamar, encontrada pelos pescadores, na praia. O padre confirma o estado de degradação dos painéis que estavam com cupim e manchados. Quanto ao relatório técnico sobre a obra, como por exemplo, análise de material que teria sido enviado aos estados de São Paulo e Minas Gerais, não tem resultado. "De fato existia uma camada de tinta por cima e folheado a ouro", diz, informando que está sendo resgatada a originalidade dos painéis". Esclarece que há registros sobre a história de Aquiraz e nem relatando a origem dos painéis. O religioso afirma que, ao longo do tempo, a edificação vem sofrendo descaracterizações.
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