segunda-feira, 5 de agosto de 2013

Criminalidade, pobreza e desamparo assolam crianças e adolescentes

Fatores sociais e a falta de oportunidades refletem nos altos índices de menores envolvidos em delitos
Todos os dez centros educacionais destinados a receber adolescentes em conflito com a lei, em Fortaleza, estão superlotados. Repletos de adolescentes que, em geral, têm o mesmo perfil; estão fora da escola, vêm de bairros muito pobres, não têm uma família estruturada e são viciados em drogas. O problema que circunda a infância e a juventude da Capital tomou proporções que evidenciam, cada vez mais, a falta ou ineficiência de políticas públicas que integrem estes jovens em outro mundo, que não o do crime.

Na semana passada, a Tropa de Choque teve que entrar no Centro Patativa do Assaré para conter mais uma rebelião. A unidade está com superlotação FOTO: CID BARBOSA

A situação de superlotação nestas unidades se mostra cada vez mais dramática, segundo o juiz da Quinta Vara de Execuções da Infância e da Juventude, Manuel Clístenes de Façanha e Gonçalves.

As dez unidades de internação da Capital têm capacidade para abrigar 500 adolescentes, no entanto, no último mês, chegaram a receber 1.031 internos, conforme informações do magistrado. "A quantidade exagerada de internos acarreta perigos inclusive para a integridade deles. As rebeliões são cada vez mais agressivas. Eu já havia mandado ofícios para a STDS (Secretaria Estadual do Trabalho e Desenvolvimento Social) avisando sobre a gravidade da situação e não obtive resposta. Fui formalmente ignorado", afirmou Clístenes Gonçalves fazendo referência às últimas rebeliões no Centro Patativa do Assaré.

Sem melhoras
Atualmente, 976 adolescentes estão sendo custodiados pelo Estado nestas unidades. As mais superlotadas são o Centro Educacional Cardeal Aloísio Lorscheider (Cecal), destinado a faixa etária compreendida entre 18 e 21 anos; e o Centro Educacional Dom Bosco, que abriga menores entre 12 e 16 anos, os mais jovens do sistema.

Cada um destes centros citados têm capacidade para receber 60 pessoas, mas contam com 158. Para o juiz da Vara de Execuções, o alto número de internos dificulta o trabalho das equipes de funcionários e comprometem a situação dos adolescentes.

O juiz da Quinta Vara da Infância e da Adolescência, Manuel Clístenes Gonçalves, afirma que a situação dos Centros é desanimadora FOTO: NATINHO RODRIGUES

"Eu mesmo já havia alertado a direção do Patativa do Assaré sobre riscos iminentes de rebelião. Em reunião com a direção anterior e com a cúpula da STDS pedi medidas urgentes para o Centro", declarou o juiz.

Manuel Clístenes ressaltou que não há previsão de melhoras, visto que o número de casos passíveis de internação é crescente. "A superlotação é uma questão antiga e persistente. Desde que assumi este Juizado, o número mínimo de internos foi de 775. No decorrer do tempo, nossas estatísticas têm a forma de uma curva gráfica, que oscila entre números de esperança e desanimação. Em geral, ficamos desanimados".

STDS
Representantes da STDS, responsável pelos centros educacionais, afirmaram estar cientes da situação e trabalhando para que o problema seja solucionado. Segundo a coordenadora de Proteção Social Especial da STDS, Ana Cruz, existem projetos em parceria com a Secretaria de Direitos Humanos para construção de novas unidades. Ela salientou ainda, que duas destas serão entregues até o fim deste mês, na Capital. "Serão duas unidades aqui em Fortaleza e uma em Sobral. Para o próximo ano, iremos entregar mais uma em Sobral e uma em Juazeiro do Norte".

Conforme a coordenadora, um meio eficiente para que a superlotação seja reduzida é o Poder Judiciário decidir por mais medidas de meio aberto, que são a liberdade assistida e a prestação de serviço à comunidade, ao invés de internações como punições para alguns tipos de atos infracionais.

"O Ministério Público está conosco na tentativa de sensibilizar o Judiciário para que veja as medidas de meio aberto como uma forma de desafogar as unidades", afirmou Ana Cruz.

A responsável pela Coordenação de Proteção Social Especial lembrou que este é um problema somente de Fortaleza e que nenhum centro do Interior está lotado. Pelo contrário, estão longe de atingia sua capacidade. "Mesmo tendo vagas lá, muitos adolescentes internos na Capital, são do Interior", declarou Ana Cruz. Atualmente quatro cidades do Interior têm centro educacionais. São elas, Iguatu, Crateús, Juazeiro do Norte e Sobral. A unidade de Iguatu está com apenas a um interno.

O juiz Clístenes Gonçalves disse que a ampliação da aplicação de medidas de meio aberto não é viável, diante da situação em que a maioria dos menores chegam ao Juizado e pelo modo como estão sendo acompanhados.

"As medidas de meio aberto não funcionam em Fortaleza. Além disto, na Capital não tem praticamente nenhum interno que cometeu um ato infracional leve. A maioria esmagadora tem de três a quatro processos. Ou estão nos centros por terem cometido um ato grave, ou, porque cometem delitos de forma reiterada". O magistrado considerou que outras instituições são afetadas com a criminalidade entre menores. "Não só os Centros extrapolaram a demanda quanto aos menores infratores, mas a Polícia, o IJF e até os cemitérios sofrem este reflexo".
Números desanimadores para infância
As autoridades responsáveis por lidar com crianças e adolescentes em conflito com a lei são unânimes em um ponto. Assinalam a falta de oportunidade no meio em que estes infratores crescem e a ausência de fatores cruciais em sua formação, como educação, saúde e saneamento básico, que afetam de forma direta o próprio futuro dos menores.

Dados da Coordenadoria Especial de Políticas Públicas de Juventude de Fortaleza dão conta de que as Secretarias Executivas Regionais mais preocupantes, no tocante ao envolvimento de menores de 18 anos com atos infracionais, são as Secretarias SERs I, V e VI.

Um levantamento do Instituto de Pesquisa e Estratégia do Ceará (Ipece), divulgado em junho deste ano, comprova que as áreas citadas pela Coordenadoria de Juventude são também as que apresentam maiores números de crianças e adolescentes de zero a 14 anos, desassistidas de políticas públicas fundamentais, como a educação.

Segundo os dados da pesquisa do Ipece, baseada no Censo 2010 realizado pelo IBGE, os piores números são os da SER V, que compreende 18 bairros e abriga mais de 570 mil pessoas.

Somente na faixa etária de zero a 14 anos são mais de 139 mil moradores, na Regional V. Segundo o IPECE, além de ser a mais populosa, esta é também a que apresenta o maior número de crianças fora da escola. São 30,5 mil crianças e adolescentes que deveriam frequentar o ensino infantil ou o fundamental.

Os altos índices populacionais e de possíveis estudantes fora da escola da SER V são seguidos pelas Regionais V e I. Os números das três são os mais altos também, no patamar de crianças e adolescentes que não sabem ler e escrever.

Se somadas, as populações das três áreas administrativas mais prejudicadas são contabilizados 335,4 mil pessoas de zero a 14 anos. Mais de 79 mil delas estão fora da escola e mais de 24 mil (de seis a 14 anos) não sabem ler e escrever.

Pobreza
Ainda baseado nos dados da população entrevistada no Censo 2010, o Ipece concluiu que 50% da população de Fortaleza de zero a 14 anos vive com menos da metade de um salário mínimo por mês. O estudo cita como crítica, a situação de algumas Regionais. Na área V, que está em piores condições neste quesito, mais de 57% das pessoas nesta faixa etária vivem com a metade de um salário.

O estudo constatou ainda, que cerca de 20% de crianças e adolescentes que serviram de base para o estudo vivem em situação de extrema pobreza (R$ 70,00/mês). Enquanto isto, somente 3,2% da mesma população, em Fortaleza, vive com cinco ou mais salários mensais.

Na condição de pobreza, as Regionais que se destacam são a I, V e VI; em extrema pobreza são as I, II, V. Levando em consideração os domicílios, em Fortaleza 32,4 mil pessoas até os 14 anos vivem em domicílios pobres e mais de 13 mil em domicílios extremamente pobres.

Nestas residências, pelo menos 146 mil jovens vivem sem a presença do pai (maioria dos casos) ou da mãe.

SAIBA MAIS
Além do temor das autoridades de que a faixa etária entre zero e 14 anos seja atraída pela criminalidade, diante da possibilidade de vê-la como futuro promissor, outro medo é que ela entre na estatística que os economistas denominaram ´Geração Nem-nem´. O número de jovens entre 16 e 24 anos que não estudam, nem trabalham já chega a 5,3 milhões no País. Se forem contabilizados os que, além disto, não procuram emprego, eles chegam a 8,8 milhões. Segundo o IBGE, os ´Nem-nem´ já representam 17% da população brasileira de 16 a 24 anos. O índice é mais alto entre os jovens que vivem em situação de pobreza ou extrema pobreza. Em relação às regiões, as mais afetadas pela ociosidade, se destacam a Norte e a Nordeste. Estudo feito pela UERJ revela que as pessoas que estão nesta situação seriam as herdeiras de um legado de miséria patrimonial e intelectual histórico no Brasil

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