Nossa vida é feita de escolhas diárias, que se renovam e se aperfeiçoam
de acordo com os valores que norteiam nossos passos. Maria e José foram
confrontados com o plano de Deus, para ir atrás de suas indicações.
Anjos, sonhos e fatos foram a linguagem usada pelo Eterno Pai para se
manifestar àquelas pessoas tão simples quanto profundas em sua profissão
de fé. É que faziam parte de uma raça de gente sadiamente teimosa, que
não tinha perdido a esperança, qual farol a iluminar os rumos da
história. Mas tiveram sempre a magnífica margem de liberdade, para
optarem por Deus e por sua vontade. O que impressiona é que nunca
regatearam com o Senhor! Antes, deram sempre e cada vez mais o que
tinham de melhor!
O tesouro de suas vidas e da humanidade, o
Menino Jesus, foi levado ao templo de Jerusalém, para ser apresentado ao
Senhor, conforme estava escrito na lei (Lc 2,22-40). Um casal muito
simples, levando a oferenda dos pobres, um par de rolas ou dois
pombinhos, pode passar despercebido diante de todos, menos de Simeão e
Ana, idosos cheios de sabedoria, confiantes nas promessas de Deus, que
enxergam longe e veem dentro! Sendo justos e piedosos, trazem a profecia
na boca! Identificam a prometida visita de Deus ao seu templo e são
capazes de fazer festa pelo homem-menino que chega, cumprindo todas as
leis humanas e religiosas, mas sabem que ali está o verdadeiro
Menino-Deus! Brotam de seus corações o hino, a profecia e o anúncio,
quando Ana se põe a falar do menino "a todos os que esperavam a
libertação de Jerusalém" (Lc 2,38). Ao mesmo tempo, o realismo da fé
professada faz com que Simeão anuncie o mistério da dor e da
contradição, que cercaria a vida daquela criança e de sua mãe: "Este
menino será causa de queda e de reerguimento para muitos em Israel. Ele
será um sinal de contradição – uma espada traspassará a tua alma! – e
assim serão revelados os pensamentos de muitos corações" (Lc 2, 34-35).
A
bênção de Simeão a Maria e José não lhes poupa um futuro cheio de
dificuldades e contradições. No entanto, os dois não esmorecem e
continuam sua magnífica aventura, que incluiria, ao lado de muitas
alegrias, perseguição, fuga para o Egito, discernimento contínuo dos
passos a serem dados, trabalho, dificuldades e lutas cotidianas,
fidelidade no escondimento de Nazaré, lugar de gente briguenta! No meio
de tudo isso, "o menino crescia, tornava-se forte, cheio de sabedoria; e
a graça de Deus estava com ele" (Lc 2, 40).
Nossa vida não é
muito diferente. A escolha do seguimento de Jesus não funciona como uma
vacina ou defesa automática frente aos desafios da existência humana.
Deus nos concede as graças necessárias, no momento certo, mas não toma
conta de nossa vida como se fosse um servo à nossa disposição, ou, quem
sabe, um operador de um controle remoto que, à distância, monitorasse
todos os nossos passos. E não vale, diante do Deus verdadeiro, Pai de
Nosso Senhor Jesus Cristo, pretender exigir direitos ou recompensas,
inclusive aquelas que hoje as pessoas chamam "sonhos de consumo". Seu
amor é infinito e muito maior do que nossas limitadas pretensões! Não,
Deus nos concede o precioso dom da liberdade, permitindo-nos tecer a
trama da existência, com uma história pessoal construída em primeira
pessoa. Liberdade e responsabilidade!
No uso do precioso dom da
liberdade, Deus nos desafia a escolher em primeiro lugar a resposta ao
seu amor! Amar a Deus sobre todas as coisas, manter-se fiel a suas
promessas, mesmo quando a limitada lógica humana nos conduz a outras
direções. Acreditar que Ele é o Senhor da história, malgrado todas as
contradições com que convivemos. Fidelidade aos mandamentos, amor à
Igreja de Jesus Cristo, na qual se realiza o Reino do Senhor, não buscar
atalhos quando o verdadeiro Caminho (Cf. Jo 14,6) se revela diante de
nossos olhos! Bonito, sim! Mas, desafiador e difícil! Trata-se de
escolher o melhor e não o mais fácil!
Sendo Deus escolhido como
Senhor de nossas vidas, sabemos que amá-lo significa cumprir seus
mandamentos. Na escolha, amar a Deus passa na frente, mas na sua
vontade, o amor ao próximo é o que se pode fazer de melhor, também
porque "nós amamos, porque ele nos amou primeiro. Se alguém disser: 'Amo
a Deus', mas odeia o seu irmão, é mentiroso; pois quem não ama o seu
irmão, a quem vê, não poderá amar a Deus, a quem não vê. E este é o
mandamento que dele recebemos: quem ama a Deus, ame também seu irmão" (1
Jo 4, 20-21). Sim, a melhor escolha, para nossa realização pessoal e
para a realização do plano de Deus é deixar que o próximo passe na
frente!
Surge natural a pergunta: "E eu, como é que fico nesta
história?" O grande desafio é escolher o melhor e não o mais agradável
no momento! Deus não se deixa vencer em generosidade e responde com amor
e realização a todos os que entram nesta verdadeira voragem de amor! Na
história da humanidade e na vida da Igreja, há uma verdadeira
constelação de homens e mulheres que fizeram escolhas diferentes para
melhor, que se decidiram a dar a vida, inclusive no martírio, e a
testemunhar, uns com os outros, o amor recíproco, com frutos de
realização e felicidade para si e para os outros. Priorizar o serviço
aos outros, enxergar o bem comum na sociedade, olhar ao redor para ver
as iniciativas a serem tomadas, buscar com intensidade o bem das
pessoas! Trata-se da revolução silenciosa, da qual participaram Maria e
José. E traziam nos braços aquele que pode mudar e efetivamente muda o
mundo.
Em todas as Igrejas, neste final de semana se realiza a
procissão das velas. Levá-las acesas em nossas mãos significa que
desejamos seguir o caminho da virtude, para chegar à luz que não se
apaga, Jesus Cristo. Para muitas pessoas, termina o período de férias e
se retoma o ritmo de trabalho. Vale a pena aceitar o desafio de iluminar
nosso dia a dia com uma luz diferente, com escolhas e prioridades
novas, a fim de nosso mundo "velho de guerra" encontre no Menino de
Belém, de Jerusalém, de Nazaré ou de todas as nossas vidas sua graça e
as forças necessárias para realizar o plano de Deus. Para tanto, cada um
de nós escolha hoje o que é melhor!
Dom Alberto Taveira Corrêa
Arcebispo de Belém (PA)
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